A mulher com seu bebê inventa mil modos de mostrar encantamento diante da descoberta que ele existe, como se não tivesse saído dela. Diz-lhe coisas doces, baixinho. Ali, na hora, cria um nome para ele. Que nem é de gente. Só para mexer com ele. O bebê – visão penumbrosos, bracinhos e mãos incertas, sem rumo – frui daquele jorro de afeto. Pequeno Narciso, mergulhado em sua banheira amorosa, ele descobre a maravilhosa dimensão afetiva das palavras escondida nos modos de pronunciar seus sons.
O bebê vira garotinho. Já entende os significados dicionarizados das palavras. Com elas, identifica personagens das histórias que os mais velhos lhe contam na hora de dormir. Seus enredos, lugares onde as peripécias ocorrem.
Mais tarde, as palavras lhe chegarão junto com imagens. Impressas, em gibis e livros de contos fantásticos. Em movimento, nos desenhos animados.
Tempo, incessante, adiante, ele, adolescente, vai querer entender melhor – a si mesmo e ao seu redor. Então, buscará, certamente, um livro. De médico, de cientista, de pensador, talvez. Inaugura seu convívio mais profundo com as palavras. Ao mesmo tempo – quem sabe -, talvez comece a amar alguém, na sua escola, na vizinhança. E tenha vontade de dizer algo diferente, sugestivo, insinuante, mágico. Descobrirá, então, a palavra poética.
Chega a maturidade. Agora, na sua profissão, por anos a fio, as palavras precisarão ser precisas. Com elas, produzirá relatórios, pareceres.
Por fim, vem-lhe a velhice. E, junto, a vontade de partilhar com seus filhos e netos, as emoções de sua trajetória. Talvez, nos fins de tarde, sentado, numa espreguiçadeira, em conversas infindáveis. Mas, que, um dia, talvez, queira registrar num livro de memórias.
Assim são as palavras. Palavras, palavras. Assim são nossas relações com elas. Poderosas, atravessam nossa existência. Vivemos com elas, através delas, apoiados nelas. Até quando não nos damos conta disto.
E isto tudo nem é o melhor delas. Porque, cantadas, as palavras preservam a mesma quentura afetiva experimentada no acalanto materno. Com tanta doçura que lembram “caramelos, bombons e chocolates” – mostraram os compositores Gianni Ferrio, Leo Chiosso, e Giancarlo Del Re, na gostosura do timbre da voz de Dalida. Subposta ao de Alain Delon, que, ao fundo, recita trechos de “Paroles, paroles”, música composta pelos três italianos, na sua versão francesa. Ainda que – como os bebês – não entendamos o significado literal de uma única palavra usada pelos dois artistas estrangeiros.
(Na ilustração, a obra da artista coreana Ahn Sung-Há)