Um poeta desconhecido resolveu pedir a Deus o atendimento das suas necessidades humanas, por meio de um poema. Organizou-as em ordem de importância crescente. Colocou cada necessidade num verso. “Senhor, dai-me isto… Senhor, dai-me aquilo…” Guardou o último verso para encaminhar seu pedido mais dramático. O poema arrematou assim: “E, sobretudo, Senhor, dai-me um amigo com quem eu possa estar em silêncio”.
De fato, o silêncio é uma benção. Que, desfrutado junto com um amigo, cria cumplicidade profunda. Sobretudo quando surge necessidade de entender melhor algo, alguém, ou, determinada situação. Como a nossa própria, por exemplo. Uma necessidade advinda da consciência de que, como dizia Simone de Beauvoir, não cabemos inteiramente nas ações que executamos. Já que, para agir, afirmava a escritora-filósofa, temos sempre de abrir mão de uma parte de nós mesmos.
O silêncio nos permite recuperar aquela parte que sacrificamos para agir, deixando incompleto o que – e quem – somos, ao nos afastamos, de algum modo, de nós próprios, na nossa ação.
Na verdade, todos aprendemos, desde cedo a respeitar o valor do silêncio. Espontaneamente, quase, sabemos distinguir silêncios. Há um, que é mera expressão de contrariedade. Aparece quando uma pessoa não fala, para dizer à outra pessoa que está irritada com ela. Há aquele com o qual demonstramos respeito a alguém ou à lembrança de alguém. Outro é simples resultado de algo assustador. Há também o silêncio desanimado do deprimido, para quem já não vale a pena nem mesmo usar palavras. E, há, ainda, o delicado silêncio dos religiosos contemplativos.
Sentimos que o silêncio funciona como um dínamo da nossa massa cerebral. Transforma energia mecânica, gasta no dia a dia, em força vital, existencial, criativa.
Jorge Amado, como escritor, soube usufruir, por longos anos, do poder do silêncio. Numa entrevista à televisão, ele contou uma historinha, sobre isto: a do escritor e seu vizinho.
O escritor – disse ele – estava em seu jardim. Sujo de terra, podava roseiras. Quando o vizinho dele passou diante de sua casa.
E perguntou:
– Está trabalhando, vizinho?
O escritor respondeu: – Não. Estou descansando.
No dia seguinte, o escritor estava na varanda de sua casa. Deitava-se numa rede, quando o mesmo vizinho passou pela rua.
E perguntou:
– Está descansando, vizinho?
O escritor disse-lhe:
– Não. Estou trabalhando.
Muitos brasileiros vão precisar de silêncio quando estiver encerrado o atual período eleitoral – barulhento, conflitado, tenso. Sem dúvida. Como o do escritor ou como outro qualquer. Que ele seja criativo em relação ao futuro do País. E reparador o suficiente para amenizar os efeitos das atuações partidárias, reconhecidamente carregadas de agressividade excessiva.
Se este silêncio for compartilhado com amigos – como queria para si aquele poeta – melhor ainda.