Mundo das Palavras

Voltam os poetas da canção popular

Os apreciadores da canção popular feita no Brasil têm sido submetidos, nos últimos anos, ao constrangimento de verem bobagens usadas nas letras das músicas lançadas no mercado discográfico. Como estas de Roberto Frejat em “Amor p’ra recomeçar” “Eu te desejo muitos amigos, mas que, em um, você possa confiar, e, que tenha até (sic) inimigos, p’ra você não deixar de duvidar”. Quanta distância da qualidade das letras de Cazuza. Logo numa de Frejat, parceiro dele, no passado! Desgraçadamente, contudo, não está contido nas baboseiras geradas pelo veterano guitarrista-cantor o vírus da falta de talento poético. Na verdade, há anos, vem empesteando a maioria das letras da música popular do País. 
 
Num contraste com a beleza poética vinda de longe, dentro da História desta arte. E, mantida, numa linha sucessória, por letristas como Noel Rosa, Orestes Barbosa, Guilherme de Brito, Cartola, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Renato Russo, entre outros. Dentro da qual, coube a delicadeza dos versos de Dolores Duran, como os de “A noite de meu bem”: “Quero a alegria de um barco voltando, a ternura de mãos se encontrando, para enfeitar a noite de meu bem”. E a espantosa criatividade de Aldir Blanco em “Caça à Raposa”: “Língua rubras dos amantes. Sonhos sempre incandescentes. Recomeçam desde instantes, que os julgamos mais ausentes. A recomeçar. Recomeçar. Como canções e epidemias. A recomeçar. Como as colheitas. Como a Lua. E a covardia. A recomeçar. Como a paixão e o fogo. E o fogo”.
 
No entanto, parece estar se esgotando esta medonha fase dos textos asneirentos. Não por acaso, neste momento político angustiante para os brasileiros. Como numa imposição daquela maldição mitológica que determina: a inventividade tem de brotar de sofrimento. Hoje, felizmente, graças aos caprichosos deuses e musas das Artes, podemos nos encantar com um texto como e de Clothilde Trinquet para “Ainda cabe sonhar”: ”Bordar, num pano de linho, um poema-tambor que desperte o vizinho. Pintar, no asfalto e no rosto, um poema-alvoroço que adormeça a cidade. Dançar com tamancos, na praça. Cantar porque um grito já não basta. Esfarrapados, banguelas e meninos de rua, poetas, babás vistam seus trapos, abram os teatros. É hora de começar. Alerta, desperta. Ainda cabe sonhar”
 
E, ainda, desfrutar do escrito por Jonathan Silva para “Samba da utopia”: “Se o mundo ficar pesado, eu vou pedir, emprestada, a palavra Poesia. Se o mundo emburrecer eu vou rezar p’ra chover palavra Sabedoria. Se o mundo andar p’ra trás, vou escrever, num cartaz, a palavra Rebeldia. Se a gente desanimar, eu vou colher, no pomar, a palavra Teimosia. Se acontecer, afinal, de entrar, em nosso quintal, a palavra Tirania, pegue o tambor e o ganzá. Vamos p’ra rua gritar a palavra Utopia”.
 
(Na foto, Jonathan Silva, criador da letra de “Samba da utopia”, de sua música e também da de "Ainda Cabe Sonhar".)
 

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