Muita gente que se interessa por MPB sabe: Geraldo Vandré foi cassado com ódio pelos militares, no final de 1968, meses depois de, naquele ano, lançar a música conhecida como “Caminhando”. Na qual, em plena Ditadura, inseriu versos sugerindo que os militares não eram amados pelo povo. Para, em seguida, acrescentar: “quase todos perdidos com armas nas mãos”.
Poucas pessoas, no entanto, sabem que, antes de ser obrigado a se esconder em casas de amigos até conseguir fugir para o Exterior, Vandré teve um pressentimento. Escreveu uma única frase (“Já vou embora, mas sei que vou voltar”), destinando-a a letra de uma canção apenas iniciada por um dos músicos que o acompanhou na sua última tournée pelo País: Geraldo Azevedo. Tampouco sabem que, para prosseguirem, juntos, na criação da “Canção da Despedida”, Azevedo teve de percorrer itinerários perigosos até onde Vandré vivia clandestinamente, à espera da oportunidade de sair do Brasil.
Igualmente desconhecidos permaneceram os desdobramentos do envolvimento de Azevedo com seu xará. No ano seguinte, com Vandré, salvo, no Chile, Azevedo foi preso. E ficou vinte dias numa cela solitária da Ilha das Flores, submetido a um ambiente de muita violência, sem saber se sobreviveria. Seis anos mais tarde, nada mais podia ser feito contra Vandré. Ele voltou ao Brasil, na terrível condição de morto-vivo. Mas, o ódio despertado nos militares continuava intenso. E Azevedo foi sequestrado, como contou, num depoimento. Sem saber, ele estava antecipando explicação para uma confusão sua, recente. Quando acusou de torturador o general Hamilton Mourão. Pelo que pediu desculpas, publicamente. Diante das câmeras da televisão da Faculdade Facha, do Rio, Azevedo revelou, em 2016:
“De novo, fui preso, em 1975. Por um período mais curto – onze dias -, mas com violência muito maior. Estava chegando à porta da minha casa, junto com minha mulher – grávida de seis meses de meu segundo filho -, com minha filha, e, um amiguinho dela. Me encapuzaram. E deixaram as crianças na rua. Quando cheguei na prisão, fui muito torturado, junto com dois rapazes. Um, não resistiu. Morreu, do meu lado. Fiquei achando que também ia morrer. Naquele período, estava começando minha carreira. E tinha uma música, Caravana, na novela Gabriela, Cravo e Canela. Durante os interrogatórios, souberam disto. Então, no horário da novela, sem nenhum motivo, me chamavam. E diziam, com deboche: “O artista vai, agora, cantar p’ra gente”. Começavam a me torturar. Tinha de cantar. Eu cantava. Sem um violãozinho, sem nada. No meio da música, mandavam: ‘Agora, dança!’. Eu dançava. Ou melhor, mexia meu corpo. De maneira muito humilhante. Ainda hoje, sinto constrangimento ao falar desta história. Pois, estava numa impotência grande: algemado, encapuzado, nu. Uma situação muito triste”.
(Na ilustração, Geraldo, quando gravou Caravana. Já Vou Embora fez sucesso na voz de Elba Ramalho)