Ninguém duvida: escreve (e fala) melhor quem pensa bastante, antes. Mas, raramente, a fala e a escrita são antecedidas pelo uso intensivo da nossa capacidade de pensar. Por quê? A resposta está ali, numa simples letra de música, escrita por um jornalista do passado, David Nasser, para a composição “Mundo maluco”.
“Não. Não posso parar. Se eu paro, eu penso. Se eu penso, eu choro”.
Não pensamos para não sofrer. Ficamos travados diante de riqueza emocional e intelectual trazida até nós pela simples contingência de existirmos. Embora, viventes, não escapemos desta contingência, pois, na verdade, a própria recusa de pensar já é, por si, uma atitude in vitae.
Desgraçadamente, no entanto, a recusa de pensar impõe o sacrifício das melhores palavras que temos condições de dirigir a quem amamos e a quem precisa de nós. Já que, com o artifício de não pensar para não sofrer só conseguimos exprimir banalidades dispensáveis, previsíveis, repetitivas. E, isto implica, ainda, na manutenção daquele estado permanente de agitação e inquietação, mencionado por Nasser, resultante inevitável da nossa fuga medrosa dos pensamentos. “Não, não posso parar”.
Os danos deste bloqueio mental/emocional são incessantes. Posto que dependemos das palavras certas, ponderadas, para encontrar nas outras pessoas uma atitude paciente em relação às nossas inseguranças e ansiedades. Não só no ambiente familiar. Também no convívio social e nos relacionamentos profissionais. Ao contrário, se esvaziamos de conteúdo consistente nossa expressão verbal, recebemos, de volta, palavras marcadas por inconsistência semelhante.
Mas, é preciso lembrar: não é a eventual ausência de perfeição na aplicação das regras da Gramática que extingue o potencial de nossa expressão verbal. E sim o travamento de nossa capacidade reflexiva. Capacidade exercida – e alimentada –, como sabemos, por bilhões de informações que nossos cinco sentidos captam a cada minuto, com intensidades diversas. E, a nossa inteligência articula, organiza, transformando em pensamentos que podem ser expressos, externalizados.
Ernest Hemingway dizia que sua rotina de escritor consistia em exprimir por meio das palavras todo o “sumo” acumulado em sua mente. Ele se referia, naturalmente, ao conteúdo maturado em reflexões, denotadas pelo que ele havia visto, cheirado, tocado, comido e ouvido.
Quando era bem jovem, Caetano Veloso escreveu estes versos: “Aprendeu sozinho. Na areia, no chão… Aprendeu com o vento… como um passarinho aprende a voar”.
Valendo-se de sua condição de “eu poético” dos versos, ele recomendou: “Solta o pensamento, num braço de mar! ”.
Concluindo com este elogio: “Boa palavra, rapaz! É assim que um homem faz. ”