Era ateu, mas sabia que a disputa milenar entre as igrejas e as ciências não levava a nada. Achava ridículos os argumentos pretensamente racionais que sustentavam a afirmação da existência de Deus. Por outro lado, também era óbvio para ele que as descobertas científicas não provocam nenhum êxodo de fiéis nas igrejas. O que seria razoável esperar, se os ataques contra a fé religiosa fossem eficazes. O piedoso convicto – constatava – continuava sendo-o, à margem das verdades das ciências. Por sinal, temporárias, continuamente retificadas.
Achava, assim, inúteis os debates sobre fé religiosa promovidos por cientistas ateus. Mas, também não compreendia que alguém abdicasse de sua fé por causa da atuação reprovável de algum padre ou pastor evangélico. Pois, distinguia a ideia de Deus daqueles que dizem representá-lO, entre os homens. Não se conformava com a aceitação desta associação. Sobretudo quando envolvia pedófilos e charlatães disfarçados de pregadores. Ninguém – achava ele – deveria supor que religiosos detém o monopólio da voz de Deus.
A procura por Deus, no caso dele, de qualquer modo, não ocorrera na realidade externa. Na criação do Cosmo, por exemplo. Estava convicto de que Ele só poderia ser achado dentro de cada pessoa e em nenhum outro lugar.
Pensava: “Se somos finitos – percebemos que após três ou quatro gerações, a lembrança de nossa passagem por este planeta estará apagada, como um risco na água; se somos solitários a ponto de percebermos a separação de nossos corpos, inclusive na comunhão do ato amoroso, cada corpo com sua história e carregado com seus projetos; se nos sentimos insignificantes, dispensáveis, entre os bilhões de seres que se movimentam sobre a Terra, como podemos não desejar que uma entidade imune ao tempo, absorvível pelo nosso recôndito, e, sobretudo, impressionantemente poderosa, tenha sido a mão que nos moldou?”.
Concluía que as possibilidades eram todas de que o homem é que O tenha criado. E, forçado pela angústia da sua fragilidade, O cultivasse, temeroso do peso da verdade por Ele amenizada. Afinal, contra o medo de existir sem motivo o que poderiam fazer as verdades das ciências?
Deus é vivência – ele sabia. E não frio resultado de uma questão lógico-matemática. Os orientais – lembrava-se -, por esta razão pouco falam sobre Ele. O chamam de “Inominado”.A Teologia para ele era desalentadora presunção de sabedoria. Lembrava da velha frase: “se os homens foram criados por Deus, eles pagaram com a mesma moeda”. Até barbas brancas não possui o Deus-Pai nas estampas que O representam? Sua psiquê não é toda humana, no seu relacionamento com os seus fiéis? Não se enfurece, quando desobedecido? Não premeia, quando agradado? Igualzinho a qualquer um de nós?
(Ilustração: pintura da artista ucraniana Denis Sarazhin)