Mundo das Palavras

A analfabetização na nossa Educação

Se pudesse recuperar sua vida por algumas horas, Nestor de Holanda, certamente, morreria, em seguida. Desta vez, de susto, vergonha e angústia. Ao ver que sua proposta de analfabetização está sendo oficialmente incorporada à Política Nacional da Educação. Afinal, Nestor escreveu aquela proposta no início dos anos 60, antes do Golpe Militar, quando a cultura brasileira florescia exuberantemente. Ele quis apenas ironizar pessoas que haviam conquistado fama, exibindo incultura. Quando, na sua plenitude criativa, artistas brasileiros eram admirados em outras nações. Como os da Bossa Nova, do Cinema Novo, da Poesia, entre os quais Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Nestor visava especialmente Ibrahim Sued, na época, tido como Papa do Colunismo Social. A ele, dedicou o livro, cujo título era, na realidade, “A Ignorância ao Alcance de Todos”, incluindo-o numa curta lista de “homenagens” em que constavam outras figuras nacionalmente conhecidas. Nestor lembrou, no livro, que Ibrahim foi capaz de mencionar o baiano Rui Barbosa em sua lidíssima coluna social. Para dizer-se indignado com o abandono da casa onde ele teria nascido, acrescentando, “em Petrópolis”.
 
Jornalista, escritor, compositor, produtor de rádio e televisão, Nestor faleceu no final daquela década. Hoje ele é visto como precursor de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, na prática de um jornalismo de humor ácido e inteligente, voltado para a crítica social. Por sua vez, Sérgio Porto se tornou antecessor da geração de jornalistas do “Pasquim”. Ao contrário destes seus descendentes artísticos, Nestor não era carioca. E, sim, pernambucano. Porém, sobre ele escreveu Raquel de Queiroz: “Nestor assimilou melhor do que ninguém a alma e a graça do carioca. Sua irreverência, seu humor desabusado. Sua mordente sátira. Entremeada de momentos de enternecimento e romantismo”. Para outra intelectual, Eneida de Moraes, uma paraense radicada no Rio, Nestor procurou “tirar de tudo aquele riso que está presente ou escondido nos acontecimentos. Mesmo os mais dolorosos”.
 
É certo, portanto, que nem em pesadelo, Nestor supôs que, um dia, a disseminação da ignorância – que ele fingia pregar com a intenção de combatê-la – seria adotada como política pública da Educação. No entanto, é o que se vê, hoje, no Brasil. Quando mais de um milhão de estudantes vão para as ruas em defesa do direito à obtenção de conhecimento, exibindo, em cartazes, frases como “Queremos livros, não armas”. Pois, autoridades estimulam o comércio e o uso de armas, enquanto perseguem universidades, combatem a Filosofia, e, defendem teorias bizarras – como as de que a Terra é plana, e, as descobertas de Darwin, falsas. Perto destas autoridades, Ibrahim Sued pareceria grande erudito. Até para Nestor.

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