Raramente uma personalidade pública se mostra capaz de elaborar uma visão dos impulsos íntimos de algum alto mandatário no exercício do seu poder que seja, simultaneamente, ousada, perspicaz e polêmica. Há poucos dias, aconteceu um destes casos, num debate. Ciro Gomes se dedicou à identificação de traços de caráter do presidente Jair Bolsonaro vislumbrados por ele no modo como vem sendo exercida a presidência do Brasil. O vídeo deste momento da participação de Ciro no debate está postado no site do Diário do Centro do Mundo.
Um destes traços, segundo Ciro, apareceria na repetição com que Bolsonaro se refere, em suas declarações, ao órgão sexual masculino. “Suas piadas com o tamanho dos pênis dos orientais mostra que ele não tira isto de sua cabeça”, disse Ciro. Obsessão que revelaria o que Ciro chamou de “problema de armário” – uma tendência latente à homoafetividade. Relacionada, segundo ele, a outro aspecto do perfil psicológico de Bolsonaro. O da ambiguidade de sentimentos – amor e ódio, misturados – igualmente presente, disse Ciro, na maneira como Bolsonaro se relaciona com o que ele chamou de “estamento militar”. Do qual Bolsonaro foi expulso, no passado, por ter quebrado a hierarquia ao falar mal de seus superiores, ele lembrou. Por isto, Bolsonaro, hoje, adotaria postura passiva e conivente diante das humilhantes ofensas aos generais de sua equipe de governo, feitas por Olavo de Carvalho, na internet. Esta passividade expressaria um sentimento – o de vingança – alimentado por Bolsonaro também na sua relação com intelectuais e letrados. Já que, segundo Ciro, Bolsonaro percebe em si mesmo, com raiva, uma "limitada capacidade de raciocínio abstrato”. Vingança existiria ainda na intenção de Bolsonaro de transformar numa nova Cancun (península mexicana urbanizada predatoriamente a serviço do turismo), Angra do Reis, onde ele foi multado por pesca ilegal.
Quanto aos gays, a observação feita por Ciro, de certo modo, foi antecedida pela Folha de São Paulo. Numa recente reportagem sobre a metáfora do “casamento” frequentemente usada por Bolsonaro, ao se referir aos relacionamentos políticos que ele mantém com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e, com o ministro Paulo Guedes. Com Maia, Bolsonaro já disse que dorme junto embora brigue quando acorda. Numa licença de linguagem incompreensível em quem paga alto preço político por seu discurso homofóbico, como o da recente rejeição pública do prefeito de Nova Iorque.
Mas homofobia usada como defesa frente a uma inclinação íntima à homoafetividade, de qualquer modo, está longe de ser algo novo, na História Política Universal. Como comprovaram, de modo exaustivo, as inúmeras imagens de soldados nazistas encontradas pelo pesquisador Martin Dammann e publicadas no livro “Soldier Studies: crossdressing in der Wehrmacht". Nas quais, aparecem militares que matavam gays, porém, nos seus momentos de folga, exibiam homoafetividade, com uso de roupas femininas.
(Ilustração: soldado nazista mostrado por Dammann)