Mundo das Palavras

Um Gene Kelly de guarda-chuva furado

O processo através do qual uma pessoa produz um texto oral ou escrito guarda uma surpreendente semelhança com o processo pelo qual um arquiteto produz sua obra. São construções que deixam à mostra aspectos do perfil dos usuários das suas respectivas linguagens, relativos a caráter, ideologia, inteligência e sensibilidade .
 
Isto ocorreu, de modo desastroso em São Paulo, no uso da linguagem arquitetônica, com a construção do Minhocão. A pista elevada que degradou um dos espaços mais ricos em significação para a cidade – a Avenida São João. Quanto ao emprego da linguagem verbal, seguidos exemplos de infortúnio semelhante vem sendo fornecidos por ninguém menos que o Ministro da Educação.
 
Alguns registrados por Bernardo Mello Franco, na sua coluna em O Globo, num texto aberto com este comentário: “O ministro da Educação, Abraham Weintraub, parece ter um problema inconciliável com a Língua Portuguesa”. Bernardo, inicialmente, lembrou de bizarro vídeo divulgado pelas redes sociais. No qual, Sua Excelência parece sentir-se muito protegido, depois de anunciar mortal medida para as universidades públicas. Sob um guarda-chuva aberto, que carrega numa das mãos, em atitude de desafiadora provocação às vítimas daquela medida, ele quer mostrar poder, segurança, indiferença e tranquilidade maltratando trecho da bela música Singin' in the Rain, em tosca imitação do canto de Gene Kelly, na conhecida cena do filme “Cantando na chuva”.
 
Enquanto proclama que, antes de tomar aquela medida, já "haviam emendas", propostas no Congresso Nacional, na mesma direção dela, para alteração da Constituição nos itens relativos à Educação. Diante disto, Bernardo, como um antigo mestre-escola, ensina-lhe: “O verbo haver, ao ser usado no sentido de existir, é inflexível e não pode ser conjugado no plural”. O colunista não perdoa: “Isso é ensinado a todo estudante de ensino médio”.
 
Em outro tuíte, lembrou também Bernardo, o ministro redigiu uma denúncia. Escreveu que suposta calúnia feita a ele “insitaria” a violência pública. Diante dela, o colunista comentou: “Weintraub teve que ser lembrado de que o verbo incitar se escreve com c". Por fim, Bernardo referiu-se à mais desastrosa e constrangedora das construções engendradas pela maior autoridade do Ensino, no País – um Minhocão verbal. Aquela na qual ele confundiu Kafka – escritor theco -, com kafta – quite árabe. Concluiu Bernardo: “Com essa performance em Português e Literatura, Weintraub teria dificuldade para passar no Enem”. Mesmo que aparecesse no dia do Enem cantando afinado a música de Gene Kelly, com seu guarda-chuva, que, a esta altura, pouco protetor, encontra-se bastante esburacado pelo vendaval das revelações do The Intercept Brasil – acrescentamos nós.
 
(Ilustração: versão estilizada da performance de Kelly, num cartaz postado no Pinterest)

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