O jornal publicou-a no site da Lupa, uma suposta agência de checagem da veracidade das informações divulgadas pela imprensa. Isto depois que a tal agência, mantida em parceria com a Revista Piauí, com sua elevada autoridade autoconferida, examinou um vídeo, no qual, o artista num estúdio de gravação, brinca com amigos, ao inventar um personagem que teria nascido no Oriente Médio, chamado Ahmed. Ao qual, Chico, fazendo uso da sua riqueza de imaginação, atribui a verdadeira autoria de suas músicas. A Lupa, aparentemente teve de realizar exaustivo exame no vídeo para identificar a brincadeira. E, poder, depois, proclamar num título: “É falso que Chico Buarque compra músicas de compositores anônimos”. Quem diria, não é mesmo?
Houve quem acreditasse – e o jornal levou a sério – que Chico poderia comprar músicas de outra pessoa, quando o vídeo apareceu na internet. Fazer o quê? Obrigar o artista a se submeter à autoridade moral da Folha de São Paulo para afastar a suspeita de desonestidade? Logo Chico que, com 20 anos, inventa música na hora em que Blota Júnior, apresentava-lhe qualquer palavra, escolhida a esmo, desafiando-o a lembrar-se de alguma letra de música gravada na qual a palavra aparecesse. Chico, naquele programa da TV Record, chamado “Esta noite se improvisa”, embromava o apresentador, criando composição nova, apenas para, na sua letra, também inventada ali, enfiar aquela palavra. Este nível de criatividade, depois foi largamente demonstrada nos 50 anos seguintes, da produção de Chico. Ele precisaria do aval da Folha de São Paulo? Chico que, nos duros anos da Ditadura Militar, manteve sua correção e coerência artísticas, solidário com seu povo, na Ditadura Militar, e, por isto foi perseguido e asfixiado como artista e cidadão, a ponto de ter de procurar na Itália, segurança para si e para sua família? Enquanto a Folha de São Paulo, renegava seus compromissos com a democracia, com a ética, e, até com a Humanidade, emprestando seus veículos para o transporte de presos políticos da oposição, submetidos à tortura. No seu prédio, na Alameda Barão de Limeira, instalou delegacia de polícia política a fim de controlar seus funcionários e defender-se da oposição clandestina. E entregou a produção das matérias de sua coirmã, a Folha da Tardes, à polícia política para que fossem forjadas falsas notícias de atropelamentos de opositores políticos, de fato, mortos sob tortura, nas delegacias.
Aos 76 anos de idade, consagrado, com o Prêmio Camões, como grande artista da canção e da Língua Portuguesa, Chico precisa se subordinar à falsa autoridade deste jornal?
(Ilustração: Chico numa quinta de Portugal)