Exibido no auge de sua beleza, o timbre parecia extraído de um maravilhoso órgão de igreja, quando em 1987, ele cantou “O que será?”, no programa “Chico&Caetano”, da TV Globo. Tendo como o parceiro de canto naquela apresentação o próprio criador da música, Chico Buarque. Que não amarelou diante do belo e extenso alcance vocal do parceiro. Ao contrário, apoiou-o de modo impecável. O que, depois, iria render entusiasmados elogios às qualidades de Chico, como cantor, feitos por Milton. Mas, três décadas depois, a voz de Chico recebeu deboches de Tony Tornado, na televisão. Não suas melodias, nem seus versos. Foi uma desqualificação pública da voz dele, apenas. E provocou perplexidade. Afinal, os brasileiros mais velhos admiram Tony Tornato, desde quando, em 1970, ele “deixou boquiabertas 40 mil pessoas no Maracanãzinho, Rio de Janeiro -segundo a Gente – com seu “cabelo black power, sem camisa e com um sol desenhado no peito”. Porque “berrou um bocado para vencer o Festival Internacional da Canção, com a música BR-3, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar”, prosseguiu a revista.
Pouco tempo antes, Tornado tinha sido deportado dos Estados Unidos, acusado de explorar prostitutas e trabalhar para o tráfico de drogas, no bairro negro do Harlem, de Nova Iorque. Naquele período, ele conviveu com o movimento dos Panteras Negras, do qual levou para o Rio de Janeiro, a saudação e o estilo do corte de cabelo. Sendo, por isto, perseguido pela polícia política da Ditadura Militar.
O curioso é que – embora impiedoso no julgamento da voz do seu colega – o próprio Tornado, sequer naquele momento de maior evidência e êxito em sua carreira, foi visto como bom cantor. Ao contrário, sobre ele, declarou, para aquela revista, o pesquisador da MPB da USP, Waldenyr Caldas: “Não cantava nada, mas sua performance era maravilhosa”.
Para que serve lembrar disto? Apenas para mostrar quão diversos são os gostos relativos aos timbres de voz dos cantores. Não há apreciadores de vozeirão influenciado pela herança da tradição operística? E os que se derretem diante de uma voz pequena, suave, afinada e bem colocada? E não há até quem goste, com entusiasmo, de vozes “sujas”, roucas, como as de Louis Armstrong, Tom Wait e Nelson Cavaquinho?
Chico Buarque tem lá seu timbre um pouco anasalado. Sua extensão de voz é pequena, mas ele é afinado e sabe usar muito bem seus recursos. Nas músicas que compõe (para a própria voz, sobretudo). E, em alguns dos incontáveis duetos para os quais é convidado por artistas famosos. Como naquele, com Milton. E em outro, recente, com a cantora italiana Chiara Civello, no qual interpretam “Io que amo solo te”, de Sérgio Endrigo. Para alegria de quem gosta de nossos artistas, as gravações destes dois duetos estão no Youtube.