Mundo das Palavras

O amigo que salvou o discurso de Chico 

Chico só tinha 22 anos de idade, quando Roberto Freire criou um, hoje, surpreendente e rico registro do passado dele.

Todo ele, naturalmente, recente, embora incorporasse os fatos mais relevantes, já, então, ocorridos com Chico. Sem que Freire pudesse antever a importância deste seu trabalho, no futuro, adquirido com o agigantamento da figura do artista, dentro da História da Cultura Brasileira. Freire não era vidente. Mas não lhe faltavam inteligência e talento. Como demonstrou neste mesmo registro, na verdade, uma reportagem para a Realidade, publicação que se constituía num ponto alto do Jornalismo Impresso do Brasil. Nela, Freire incorporou os mais avançados recursos da linguagem literária, entre os quais, cortes narrativos, para mudanças de planos de tempo e de espaço. As duas qualidades dele foram reafirmadas em sua carreira de escritor de “Cleo e Daniel”, a mais densa história de amor entre jovens, surgida entre nós. E, em sua carreira de médico psicoterapeuta, criador da Somaterapia.

Foi, aliás, o brilho da carreira polivalente de Freire que permitiu-lhe conhecer e manter um segredo, por lealdade a Chico. Naquele ano de 1966, ele foi convidado a integrar o júri do histórico festival de música da TV Record, no qual o primeiro lugar foi repartido entre Chico, com sua “A Banda”, e, Geraldo Vandré, com “Disparada”. E, pôde ver que Chico foi, de fato, o vencedor, embora com pequena diferença de votos. Assim, como presenciar o momento no qual Chico se negou a receber o prêmio sozinho.

A atitude de Chico consolidou a amizade dos dois. Mas, ela não surgiu ali. “Conheci Chico quando ele era ainda menino. Ficamos amigos em sua adolescência. Por causa de seus pais e de seus sambas”, escreveu Freire na reportagem. Meses antes, Freire havia confiado a Chico, ainda compositor de exíguo repertório, a espinhosa tarefa de musicar o árido poema de João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina”. Freire ia dirigir sua encenação pelo grupo de teatro da PUC/SP. Chico se saiu bem. Contribuiu, com sua música, para a premiação do grupo na França.  

Por isto, quando teve de escrever sobre ele, Freire contou com a boa vontade de Chico. A ponto de ele procurar, achar e entregar a Freire as seis páginas do discurso que proferiu, aos 18 anos, na festa de formatura dos alunos de 2º Grau, no Colégio Santa Cruz, de São Paulo. O texto, usado na reportagem, é uma obra-prima como visão irônica do jogo artificial e hipócrita, a que se sentem obrigados, numa ocasião como aquela, professores, familiares e formandos, ao trocarem elogios, sufocando ressentimentos, como se, na vida escolar só existissem boas intenções, responsabilidades e dedicação.  

    

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