Mundo das Palavras

Chico Buarque discursa, aos 16 anos

Urubus. Assim, Chico denominou os religiosos que cuidavam do Colégio Santa Cruz, no discurso que fez, na festa de conclusão do colegial de sua turma.

A denominação, longe de conter uma agressão, revelava o ambiente de liberdade e camaradagem que aqueles educadores mantinham, num convívio sempre brincalhão, com os alunos. Afinal, jovens sempre puseram apelidos, cheios de provocação, nas pessoas com quem gostam de interagir. É o jeito deles de mostrar (e esconder) afeto.

Aquele ambiente no Santa Cruz se tornou visível numa foto de cinco anos antes. Em que Chico, de calção, na quadra de esportes do colégio, ri, quando é cumprimentado por um “urubu”, também risonho. Por detrás deste “urubu”, outro o provoca, disfarçadamente, cutucando sua cabeça com o dedo indicador.

Trechos daquele discurso de formatura de Chico. Feito aos 16 anos, e, não aos 18, como escrevemos, antes, equivocadamente: 

“O orador sobe ao palco, declara velhos lugares-comuns, repete elogios muito antigos e se retira, glorioso. Todos aplaudem, todos sorriem.

É verdade que ninguém acredita muito em coisa alguma. Mas isso não tem importância. Formatura é formatura. O ator (o orador) representou seu papel e tudo correu conforme as conveniências.

A plateia, geralmente, se comporta bem. E não costuma atirar tomates no orador. 

No dia da colação de grau tudo se perdoa. Quando o discurso não é comprido demais.

É dia colorido, é dia risonho. Quando os pais são muito mais corujas e, os padres, um pouco menos urubus.

Mas formatura é dia de festa. Convém afirmar que os sermões que recebemos foram justos. Os problemas de Química – ah! – até divertidos. As recuperações, úteis e instrutivas. E as reprovações? Eu achei gozado. “E você, papai?” Papai não achou gozado.

Os garotos inocentes iam aprendendo coisas que não constavam do programa. Os mistérios, os segredos, as tímidas experiências e os pequenos vícios. O primeiro cigarro, ali, atrás da serraria, onde ninguém vê.

Por outro lado, desde cedo os padres se incumbiram de nos apresentar faces diversas do mundo que, apesar de tão vizinhas, preferimos, às vezes, ignorar. A mendicância, o desabrigo, a fome, a promiscuidade das favelas, a miséria nos vilarejos do litoral. Tudo vimos de perto.

E não é necessário ter lido o Pequeno Príncipe para compreender que não somos casos de eternos adolescentes, como se pode julgar, quando não levamos a sério certos assuntos de gente grande.

Somos, isto sim, uma turma alegre, bem humorada, bem brasileira, que faz questão de agir de acordo com sua idade.

Nós nos veremos sempre, após o almoço, no colégio, batucando, à espera das aulas da tarde. Uma escola de samba completa. Pastorinhas, porta-estandarte e tudo. Desafinando, em ré maior, um barulhento “tristeza não tem fim”.

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