Mundo das Palavras

Chico só tem direito a uma quitinete?

Há profissões consideradas tão elevadas que falar em dinheiro com quem as exerce parece ofendê-los, dizia Paulo Bacha, brilhante psicanalista brasileiro, membro da International Psychoanlytical Assocation.

Paulo se referia à Medicina e ao Magistério. Num tom crítico de quem sabia que, nestes casos, se trata de falso respeito. Pois, levado a sério, destinaria tais profissionais à miséria.

Mais perversa ainda é a “consideração” que se tem com artistas. Muita gente acha que o “verdadeiro” artista sofre. Com moradia e alimentação precárias. Com abuso de álcool, cocaína, LSD. Melhor ainda: ele se mata. De preferência, quando jovem.

São noções absurdas da sobrevivência humana numa sociedade capitalista. Que, desgraçadamente, Millor Fernandes pareceu reforçar. Logo ele, um grande artista crítico desta sociedade. Felizmente, poupado daquele destino perverso.

No ano de 1989, Millor Fernandes tinha uma pendenga besta com Chico Buarque. Quando a pendenga foi abordada, numa entrevista, ele disse que não iria alimentar fofocas. Resumiria suas críticas a Chico numa frase: “Não acredito em idealista que lucra com seu ideal”.

O que isto significava? Que Millor só acreditava em artista que não vivesse do seu ideal? Que Chico deveria ter prejuízo, quando cantasse “Pedro, pedreiro”, ou “Apesar de você”, duas das suas canções com denúncias da pobreza e da falta de liberdade, no Brasil? 

Chico Buarque vivia, então, sobretudo, como compositor-cantor. Por conseguinte, deveria deixar os lucros obtidos com as apresentações daquelas músicas em teatro ou televisão para promotores de shows e donos de canal de tv?

Para escapar daquele raciocínio, Chico teria, quem sabe, de viver, hoje, aos 60 anos de carreira, numa quitinete, como aquela, de Paris, no qual se refugiou, quando começou a escrever profissionalmente.

Millor já tinha morrido, e, a frase dele foi desencavada da internet por cultivadores de ódio, para atacar Chico. Gente de quem nunca se ouviu crítica à ostentação de riqueza por parte de cantores sertanejos e youtubers.

Este texto já estava escrito, quando, por amarga coincidência, surgiu na internet um pedido de socorro, vindo de amigos de Aldir Blanc, artista tão importante quanto Chico, dentro da Música Popular Brasileira. Por outro triste acaso, Aldir é médico psiquiatra como Paulo Bacha. E, aos 73 anos de idade, está acometido de doença grave, sem dinheiro para pagar seu tratamento num centro de terapia intensivo hospitalar. Os amigos dele pedem a quem quiser ajudá-lo contribuições a serem depositadas na conta de Aldir Blanc Mendes/ Banco Itaú/Agência: 8236/ C.C.: 08110-8/ CPF: 102.790.677-04.

Aldir Blanc não estaria submetido a esta situação, se tivesse criado músicas comerciais vulgares e não “O bêbado e o equilibrista”, corajoso hino em louvor da anistia política aos brasileiros asilados no Exterior pela Ditadura Militar. Neste caso, Millor acreditaria nele?

(Ilustração: Chico na sua quitinete, em Paris, nos anos 90) 

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