Em 1987, ele souberia que estava com AIDs, àquela altura, ainda sem tratamento eficiente. A informação, Cazuza escondeu de seus fãs, por dois anos. Assim, carregou o peso daquele segredo, sozinho. E, isto, certamente terá aumentado sua angústia e seu sentimento de solidão. Mas, talvez já suspeitasse, antes, da sua contaminação pela doença. Ou terá sido por acaso que, um ano antes da confirmação médica, ele cantou, para o público daquele programa, a bela canção “Luz Negra”, de Nelson Cavaquinho. Cuja letra lhe permitiu repetir, melancolicamente: “Estou chegando ao fim”. Externar: “Sempre só. Eu vivo procurando alguém que sofra como eu, também. Sempre só, a vida vai seguindo, assim”. E, por fim, mencionar a “luz negra de um destino cruel”. Ainda é perceptível a tristeza, na voz de Cazuza, a quem assista ao vídeo daquela apresentação, na internet.
Mal sabia, então, o artista que outro sofrimento seria somado ao da doença. Embora, não ignorasse que algo parecido havia acontecido com Chico. Como ele, contestador da injusta estrutura social brasileira. Pois, cães de guarda da elite econômica do País, instalados na imprensa, estavam prontos para vingar o atrevimento dele, em músicas como “Burguesia” (“A burguesia fede. Vamos pegar o dinheiro, roubado, da burguesia! Vamos acabar com a burguesia!”).
No caso de Cazuza, eram Alessandro Porro, Ângela Abreu e Mário Sérgio Conti, todos da Veja. Que desumanamente invadiram a intimidade dele nos seus momentos de desespero provocados pela doença. E os exibiriam nas páginas da revista, anunciando, com crueldade, em abril de 1989, a sua morte iminente. Depois de ler a edição da revista, Cazuza, já exangue, teve elevação de pressão arterial, a ponto de ser reinternado em hospital, às pressas. Na capa de Veja, a manchete: “Cazuza, uma vítima de AIDS, agoniza em praça pública”.
Exatos 23 anos e 3 meses depois, outros 3 cães de guarda da Veja – agora, com o auxílio da internet -, desencadearam nova perseguição implacável a Chico. Seu pecado, para os patrões deles: manter a solidariedade aos pobres. Pública, desde 1965, quando ele compôs “Pedro, Pedreiro”. Por ela, Chico já sofrera, na Ditadura Militar, detenções policiais, censura asfixiante, e, autoexílio, na Itália.
Reinaldo de Azevedo comandou as agressões verbais a Chico. Secundado por Augusto Nunes e um terceiro cão de guarda esporádico, o mais notório dos quais Diogo Mainard. Em 154 textos, ele foi tratado como merda, asqueroso, covarde e velho decrépito, de julho de 2009, até agosto de 2019.
(Ilustração: O encontro de Chico e Cazuza, registrado numa foto rara.)