Sobretudo, para quem o viu pessoalmente, em foto, ou, através da televisão, aos 20 anos de idade. Como, por exemplo, Clarice Lispector, que, depois de entrevistá-lo, encantada com suas respostas inteligentes, escreveu: “Ele não é de modo algum um garoto. Mas, se existisse, no reino animal, um bicho pensativo e belo, e, sempre jovem, que se chamasse Garoto, Francisco Buarque de Holanda seria da raça montanhesa dos garotos”.
O próprio Chico, no entanto, há anos, não alimenta ilusão com relação à sua aparência física. Em maio de 2015, Antônio Jiménez Barca, do El País, perguntou-lhe: “Como se vive, sabendo que é o homem mais desejado do País?”. A resposta de Chico: “Isso faz muito tempo”. O jornalista espanhol insistiu: “Continuam dizendo”. Chico: “Não sei nada sobre isso. Sou tímido. Um cidadão sério. Um homem de família. Inventam histórias. Criam lendas que não têm muito a ver com a realidade. Não sou o sedutor que comentam”.
Não convenceu. Na abertura da matéria de Antônio, publicada no dia 25, daquele mês, ele se referiu à importância de Chico. “Suas canções, por si só, já fazem parte da História, da herança, e, da identidade diária de um povo”. Antes, porém, escreveu: uma das coisas mais difícil, no Brasil, é encontrar “uma mulher que não seja apaixonada por ele”. E acrescentou: “(Seus) olhos fascinantes de uma cor estranha entre verde, azul e cinza são uma lenda nacional”.
Antônio, assim, ignorou o empenho em destruir o fascínio por Chico feito por três jornalistas da Veja. Numa empreitada a que eles se iriam se dedicar por uma década, através de sucessivas matérias nas quais puseram em dúvida até o talento dele. Reinaldo de Azevedo, Augusto Nunes e Diogo Mainard chegaram a pinçar trechos das letras de “Querido diário” e “Tua cantiga” nos quais apontaram o que seriam manifestações de grosseiro machismo de Chico. Respectivamente: “amar uma mulher sem orifício”, e, “largo mulher e filhos”. No entanto, ninguém, no passado, imaginou que Chico pudesse gritar: “Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni!”, como aparece em outra letra de música dele. Isto porque, obviamente, quem fala numa narrativa ficcional, como a das letras de música, é um personagem fictício. Não é seu autor.
Antônio teve razão em não levar Veja em conta porque a revista não conseguiu afastar de Chico seu enorme público feminino. Tampouco conseguiram os caricaturistas. Afinal, as mulheres têm grande generosidade na aceitação da aparência dos homens, como lembrou a psicanalista Maria Rita Kehl, num artigo. Acrescentando: a que eles estão longe de retribuir.
(Ilustração: A imagem de Chico, hoje, mostrada pelo jornal espanhol El País)