A carne do ser humano negro vale menos do que a do animal que é abatido para ser vendido num açougue, denunciaram Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti, na música “A Carne”, gravada por Elza Soares, com a dor aguda de sua vivência.
Nela, aparece o corpo do negro sem emprego, jogado em hospital psiquiátrico, atirado “de graça” em presídio, asfixiado por policial, com saco plástico.
O refrão repete, insistente: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.
Tragédia, desgraçadamente, antiga, no Brasil, cuja elite branca manteve negros escravizados durante três séculos, até quando a escravidão só existia em países como Zanzibar, Etiópia e Mauritânia. Formalmente, a libertação deles ocorreu em 1888. Mas quem, na realidade, se libertou foram seus senhores. Pois, ficaram livres da necessidade de mantê-los vivos, já não mais suficientemente produtivos. Preservados no despreparo para funções remuneradas, eles foram lançados no abandono e na marginalidade.
O mesmo perverso tratamento tem sido dispensado ao corpo do negro, nos Estados Unidos. Em contraste com o do branco, num discurso oficial arrogante, sustentado por governantes como Trump, que colocam o “WASP” (branco, anglo-saxão, protestante) acima também do “cucaracha” latino-americano e do asiático. De modo, hipócrita. Porque, de fato, também as vidas dos jovens americanos brancos vêm sendo sacrificadas em guerras inventadas, dentro do “establishment” – a ordem ideológica, econômica e política do Estado americano -, para garantir lucros às indústrias armamentistas e petrolíferas e aos investidores do mercado financeiro. Foi o que fez surgir, nos anos 60, a revolta do jovem hippie, que propositalmente, se marginalizou, ao queimar o documento de sua convocação para a Guerra do Vietnã.
Naquela época, o governo dos EUA ainda fingia valorizar a carne do corpo do seu soldado. Quando ele era abatido em combate, os boletins de guerra tinham de mostrar que sua perda havia sido compensada com as mortes, de, pelo menos, cinco vietnamitas. Como sabiam, no Brasil, os jornalistas de agências de notícias – a The Associated Press, por exemplo, -responsáveis pela tradução para o português, daqueles documentos militares.
Hoje, nem mesmo este consolo cruel oferece o governo Trump às famílias vítimas da sua criminosa falta de seriedade, no enfrentamento da pandemia do coronavirus. Quase 200 mil norte-americanos já morreram. Enquanto, Trump se dedica a debochar até dos militares ianques imolados em agressões a outros povos – como o do Iraque, por exemplo. The Atlantic, a respeitada revista cultural de Boston, denunciou, no início deste mês, que Trump os chama de “perdedores otários”.
Não surpreende, assim, que a ausência de sentimento humano apareça, agora, num rolo de papel higiênico anunciado pela empresa Odd Gits, a 9 dólares. Nele, a imagem de Trump.