Na primeira estreia do coletivo 28 Patas Furiosas, com a peça “Lenz, Um Outro” (2014), as palavras loucas deixadas pelo escritor alemão Jakob surgiam como epifanias no escuro das velas e das orações feitas por ele. No trabalho seguinte, a peça “A Macieira” (2016) seguiria uma trilha semelhante: dar um relevo material para a história quase fantástica proposta pela escritora Herta Müller.
Em “Parede”, o coletivo prossegue nesse intento, dessa vez centrado no brasileiro José Joaquim de Campos Leão, ou Qorpo Santo. Jornalista e dramaturgo ainda incompreendido no País, Qorpo Santo habitou o século 19 com uma história fascinante. Rotulado de monomaníaco e interditado judicialmente a pedido da família, o gaúcho de Triunfo (RS) produziu uma série de peças de teatro que já foram consideradas precursoras do teatro de absurdo. Sua obsessão por escrever tudo e o tempo todo deu fruto à “Ensiqlopédia ou Seis Mezes de Huma Enfermidade”, além de rebatizá-lo com uma identidade escrita em grafia peculiar. É em parte desse material que o coletivo se inspira. “A obra é dividida em volumes que tratam de assuntos específicos, como a convivência, passa por doenças e até mesmo sobre insetos”, explica o encenador Wagner Antonio.
Nesse terreno indiscreto e cheio de imaginação, as palavras reescritas pelo dramaturgo são atraídas para a instalação cenográfica. Ao chegar, a plateia recebe a notícia de que vai testemunhar a construção de uma parede em um condomínio. Durante as obras, uma conversa de um grupo de WhatsApp é divulgada. O síndico do prédio, na voz do dramaturgo Tadeu Renato, expõe a mente sem fronteiras de Qorpo Santo, que delata ter perdido sua cabeça. “O corpo, para ele, estava em transformação”, afirma o dramaturgo. “Não era uma coisa fixa. Em certo momento, o síndico confessa que talvez devesse se transformar em um cupim e outros insetos que sobrevivem sem cabeça.”
Diante da estranheza do novo sujeito, os moradores do prédio vão sugerir uma série de proibições e que o corpo do síndico seja, como Qorpo Santo, seja interditado. Depois da medicina da época divergir sobre sua saúde mental, Qorpo Santo chegou a ser tratado pelo médico de Dom Pedro II, que defendia a liberação do paciente. Para o encenador, a peça não se apega aos diagnósticos da saúde ou mesmo do movimento cultural que o enquadrou. “Ao atacar os sintomas, buscamos caminhos para materializar suas palavras.”
Ele acrescenta que a interdição dos moradores sugere uma ação de justiça seletiva. “A proibição visa restringir o corpo e a saída foi se transmutar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
PAREDE
Espaço 28. Rua Dr. Bacelar, 1219. Vila Clementino. Sáb., 21h, dom., 19h. R$ 30 / R$ 15. Até 7/7.