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Legado de Machado de Assis

Um fundador – assim o crítico literário americano Harold Bloom classificou Machado de Assis, em sua obra Gênio – Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura, lançada pela Objetiva em 2008. O escritor carioca, cujo aniversário de nascimento completa 180 anos nesta sexta-feira, 21, é colocado ao lado de outros nomes que Bloom considera decisivos para a evolução da escrita, como o francês Gustave Flaubert, o português Eça de Queirós, o argentino Jorge Luis Borges e o italiano Italo Calvino. Todos considerados por Bloom como “ironistas trágicos”.

Autor de vários títulos considerados essenciais, Machado ainda provoca comentários distintos, como indica a consulta feita pelo jornal O Estado de S. Paulo com escritores, que apontam sua obra preferida (veja abaixo).

Mas, se hoje a fama de Machado como grande autor está consolidada, o mesmo não acontecia há algumas décadas, especialmente no período imediatamente posterior à sua morte, em 1908. Visto com desconfiança por alguns, ainda que exaltado por muitos, o bruxo do Cosme Velho dividia opiniões, como mostram dois livros recentemente lançados e que trazem justamente a visão que tinham seus colegas de ofício. Em Escritor por Escritor – Machado de Assis Segundo Seus Pares (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), os organizadores Hélio de Seixas Guimarães e Ieda Lebensztayn fazem um importante levantamento sobre o efeito machadiano na escrita nacional, de 1908 a 1939 – um segundo e oportuno volume cobrirá o período entre 1940 e 2008.

Guimarães organizou também o livro Escritos de Carlos Drummond de Andrade Sobre Machado de Assis (Três Estrelas), precioso levantamento que mostra como, ao longo de décadas, mudou a visão do poeta sobre o autor de Dom Casmurro, fruto principalmente de um amadurecimento intelectual.

“As opiniões dos escritores, de uma maneira geral, acompanham os grandes movimentos da percepção crítica coletiva que, de início, atribui a Machado um certo absenteísmo em relação às grandes questões sociais de seu tempo”, escreve Guimarães no prefácio de Escritor por Escritor. “Isso vem acompanhado da ênfase na dimensão humorístico-existencial da obra, no escritor filosófico referido por (Olavo) Bilac, no perscrutador da alma humana, e também na observação recorrente sobre o que muitos, por muito tempo, consideraram desinteresse do escritor pela natureza e pelas descrições dos ambientes em que insere suas personagens.”

Guimarães cita a tropa de escritores, comandada por Euclides da Cunha, que se reuniu no dia da morte de Machado, lamentando o fato – nomes como Coelho Neto, Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo Correia e Rodrigo Otávio. “Para o autor de Os Sertões, a morte de Machado de Assis deveria provocar uma grande comoção nacional.”

Entre os autores selecionados para a compilação, destaca-se Mário de Andrade. Influenciado pela determinação modernista de criticar os autores nacionais que mimetizavam os estrangeiros, o autor de Macunaíma é taxativo: “Ele coroa um tempo inteiro, mas a sua influência tem sido sempre negativa. Os que o imitam se entregam a um insulamento perigoso e se esgotam nos desamores da imobilidade”. Mas é em uma carta a Maurício Loureiro Gama que Mário revela seu dualismo: “Se adoro a obra de Machado de Assis como arte, pouco encontro nela como lição e simplesmente detesto o homem que ele foi”.

Mas o mais forte exemplo de amor/desprezo por Machado se revela em Carlos Drummond de Andrade. No livro dedicado a essa relação, Guimarães traz detalhes reveladores: o jovem Drummond é capaz de escrever, em 1925, que Machado é um “mestre de falsas lições, romancista tão curioso quanto monótono, um entrave à obra de renovação cultural”. Novamente, uma determinação dos modernistas de recusar o passado. Em 1958, porém, o mesmo Drummond publicou o poema A um Bruxo, Com Amor, uma das mais belas homenagens entre escritores brasileiros. Diz Guimarães: “Um único verso dá a medida do elogio: Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro”.

Veja abaixo a análise dos escritores ouvidos pelo jornal:

Nélida Piñon

Seus textos, excedendo ao espírito de uma época, encarnam a identidade constitutiva do País. Esaú e Jacó concentra algumas destas características: elege o Rio como metáfora do Brasil. Por ele, perpassam as crises política e econômica que assolam um país prestes a sucumbir à transição da Monarquia para a República, sem qualquer escopo jurídico”

Silviano Santiago

Esaú e Jacó é seu romance mais atual. A nação dividida. A incomunicabilidade, ou a briga, entre irmãos. A mulher em busca da própria afirmação e já superior aos amados. O enriquecimento fácil e duvidoso durante o encilhamento. A canalhice como razão do empreendedorismo”

Alberto Mussa

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o processo literário machadiano (conversão da tragédia em ironia) se manifesta de forma mais radical. É também o livro que mais se aproxima das ruas, que melhor capta o sentido profundo da cidade. Não creio que exista, na segunda metade do século 19, obra tão original, tão terrível e tão divertida”

Eva Furnari

Memórias Póstumas de Brás Cubas é, ao mesmo tempo, um romance leve e profundo, com um olhar agudo sobre a sociedade de seu tempo, sobre as contradições e idiossincrasias da elite carioca do século 19, sem deixar de observar o espírito humano individual”

Pedro Bandeira

Uma leitura atenta de Dom Casmurro defende meu argumento: brigo com quem acusa Capitu de adúltera – Machado foi maior do que um simples autor que narra uma história óbvia; ele joga todos os dados na mesa verde e cabe a nós contar as marquinhas pretas de cada face”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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