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Em novo livro, Martin Puchner conta a história da escrita na civilização

A tarefa a que Martin Puchner, professor de literatura comparada da Universidade de Harvard, se propôs era ambiciosa: escrever uma história da escrita que mostrasse como ela transformou a civilização global. Tarefa que ele cumpriu com uma bibliografia enorme e viagens por várias partes do mundo, condensadas agora em O Mundo da Escrita (Companhia das Letras).

O livro vai da Epopeia de Gilgamesh, passa por Alexandre, O Grande, Sócrates, Buda, Jesus Cristo, pela narrativa árabe, dá um contorno pelos Maias e pela tradição oral africana, pela literatura europeia e soviética, passa pelo pós-colonialismo e chega a Hogwarts (o castelo de Harry Potter).

Ao mesmo tempo, desenha a história das tecnologias que deram suporte a esses trabalhos, da invenção à popularização da escrita, até a impressão em massa e o papel.

Sobre esses assuntos, Puchner respondeu a algumas questões por e-mail.

Você diz no livro que precisamos de uma interpretação sólida para entrar em contato com os textos “fundamentais”. Qual é o lugar para melhor fazer isso?

O “fundamentalismo textual” se tornou cada vez mais importante para mim. Eu estava, no livro, traçando a influência de textos como os primeiros épicos (Homero), religiosos (a Bíblia hebraica) ou políticos (Declaração de Independência dos EUA) e percebi o quanto nossas sociedades ainda dependem deles. Reverenciar textos antigos não é necessariamente ruim, mas as coisas ficam ruins se não nos permitirmos flexibilidade o suficiente para interpretá-los de acordo com nossas necessidades. Isso deve acontecer em todos os lugares, na universidade, na mídia, mas também em igrejas e instituições religiosas, escolas, tribunais.

Você encontrou na sua pesquisa casos de difusão de desinformação proposital, baseada em novas tecnologias?

Quando se quer que novas tecnologias apareçam e mudem o mundo da escrita, a autoridade de velhas instituições é desafiada. Veja a Reforma Protestante. A imprensa permitiu a Lutero enfrentar a instituição mais poderosa do mundo, a Igreja Católica. Esse desafio também significou que, repentinamente, outras regras para publicações foram criadas e, sim, muita desinformação foi espalhada pelas impressoras. Mas novas instituições emergem e adquirem autoridade e confiança – os jornais, por exemplo. Então, sim, sempre houve desinformação, mas também vejo um padrão na História que leva para a criação de novas instituições.

Você também diz acreditar que “é sempre melhor ter uma perspectiva global” sobre a literatura. Hoje em dia, líderes globais resistem à ideia em muitas áreas. Qual é o papel da literatura nesse contexto?

O termo “literatura universal” foi criado por Goethe em 1827, em meio a um momento nacionalista, mas Goethe resistiu a esse nacionalismo. Ele começou a ler literatura de outras culturas, China, Índia, Pérsia. Agora, estamos de volta num momento intensamente nacionalista em todo o mundo. É por isso que penso que promover a literatura universal é tão importante. Ela nos permite ver o mundo de diferentes perspectivas; e porque a literatura tem tanta importância na formação das sociedades, nos permite um entendimento mais profundo de outras culturas.

O Brasil está numa crise cultural e editorial, com livrarias falindo e investimentos governamentais na cultura caindo. Teoricamente, você pensa que o mundo da escrita precisa passar por novas crises para se reinventar?

Bem, não temos escolha. Estamos atravessando uma enorme transformação e temos que tirar o melhor dela. A mudança tecnológica tem lados bons e ruins. Mais está sendo escrito e lido por mais por mais pessoas do que em qualquer momento da história humana. As barreiras de acesso para pessoas comuns se tornarem autores e publicarem desapareceram. Essa é uma enorme democratização da literatura e da escrita. Por outro lado, há algumas coisas, como as fake news e as crises no mercado editorial. Não há soluções simples. No livro, quis olhar para trás nos momentos iniciais em que imensas transformações mudaram a maneira com que nos comunicamos por escrito. Cada transformação causou enormes ansiedades; as pessoas pensavam que suas sociedades estavam desmoronando. Às vezes, guerras religiosas aconteceram como resultado. A escrita é uma ferramenta poderosa. Mas no fim, sou otimista. No passado, aprendemos a manejar essa ferramenta. Acredito que vamos aprender de novo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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