Foi preciso que o grande pintor baiano Rubem Valentim, hoje presente nas principais coleções do País, alertasse o Brasil que aqui morava uma pintora tão importante como Paul Klee. Aliás, uma comparação pertinente, considerando que Klee foi também um artista que buscou conjugar o arcaico e o moderno numa construção pictórica que não desprezou o valor do sagrado. Na exposição retrospectiva de Niobe Xandó, organizada na sede paulistana da Galeria Simões de Assis, com 50 obras realizadas entre 1960 e 1992, essa aproximação com Paul Klee fica ainda mais evidente, conferindo à obra de Niobe uma dimensão universal, a despeito de sua verdadeira aversão a rótulos e nichos.
A exposição é uma prova da dificuldade de definir ou encaixar Niobe em movimentos. A exemplo de Klee, ela foi experimental e dialogou com artistas renomados e anônimos – e é conveniente lembrar que o pintor de origem suíça foi pioneiro no diálogo com a arte de pacientes mentais e crianças, ao visitar a pequena galeria do doutor Morgenthaler (Waldau, perto de Berna), em 1912. Foi seu ponto de partida para a descoberta das máscaras e da arte “infantil”, que Klee desenvolveu em obras como Príncipe Negro (1927), que dialoga com a tela sem título de Niobe, reproduzida acima (as máscaras em fundo preto, óleo não datado).
O seu “primitivismo” não é folclórico, como lembrou o filósofo e amigo Vilém Flusser, num texto para ao Estado, em 1971. Flusser disse que a obra de Niobe tem como proposta tornar visível a “beleza antropomórfica e perigosa” dessas “máscaras” que têm pouco de africanas e são mais projeções de nosso interior, arcaico e contemporâneo ao mesmo tempo.
Também como Klee, Niobe criou flores fantásticas em que revela a estrutura interior dessas plantas como se desvendasse o mistério de seu hibridismo. Passou pelo abstracionismo geométrico, a colagem, a reprografia em cores, o grafismo e o abstracionismo lírico, retornando à figura no período final. Todas essas passagens estão bem representadas na mostra, que vem apresentada pela curadora María Iñigo Clavo.
NIOBE XANDÓ
Simões de Assis Galeria de Arte. R. Sarandi, 113-A, 3062-8980. 2ª. a 6ª., 10h/19h; sáb., 10h/15h. Entrada grátis. Até 17/7.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.