O governo Dilma Rousseff vem entregando resultados fiscais inferiores aos números oficialmente anunciados quando são descontados artifícios contábeis, como a incorporação de elevadas receitas extraordinárias, e o efeito do comportamento da economia na arrecadação. A constatação é do próprio Ministério da Fazenda, que divulga nesta terça-feira, 23, um estudo inédito com cálculos sobre o chamado desempenho fiscal “estrutural” entre 2002 e 2013.
No ano passado, por exemplo, a economia para o pagamento de juros da dívida pública, por esse conceito estrutural, foi de apenas 0,87% do Produto Interno Bruto (PIB). Oficialmente, o resultado fiscal anunciado foi de 1,9% do PIB em 2013. O cálculo ajusta as contas fiscais pelo ciclo econômico e desconta do resultado as chamadas receitas extraordinárias não recorrentes, como a arrecadação com concessões e programas extraordinários de pagamentos de débitos (Refis).
O estudo “Monitor Fiscal”, obtido pelo jornal O Estado de S.Paulo, mostra que desde 2010 o resultado fiscal efetivo, ou estrutural, tem sido muito inferior ao oficialmente anunciado pelo governo.
No cálculo, feito pela Secretaria de Política Econômica (SPE), a média entre 2002 e 2013 do superávit primário convencional, ou seja, aquele anunciado pelo governo, foi de 3% do PIB ao ano. O resultado estrutural, ou efetivo sobre a chamada demanda agregada, foi de 2,61% do PIB por ano.
Comandada há quatro anos pelo economista Márcio Holland, a SPE vem desde o fim de 2011 preparando o documento que será divulgado hoje na internet. Os cálculos vão jogar luz sobre uma das áreas mais sombrias e pouco transparentes do governo Dilma Rousseff: a política fiscal. O ministro indicado da Fazenda, Joaquim Levy, vem enfrentando dificuldades internas para obter acesso aos dados. A divulgação do “Monitor Fiscal”, embora sob responsabilidade da SPE, também sugere um movimento do atual ministro, Guido Mantega, para antecipar-se a críticas à área fiscal.
Impacto
O estudo da SPE tenta quantificar o impacto efetivo do resultado fiscal sobre a atividade econômica. Há duas formas de olhar o superávit primário. Uma delas é sob a perspectiva de solvência das contas públicas, onde a lógica seria uma espécie de “vale tudo”: todos os recursos usados para o pagamento dos juros da dívida contam, independentemente de terem sido obtidos pelo governo por meio de programas como o Refis, com concessões, por dividendos ou por triangulações de recursos entre o Tesouro Nacional e os bancos públicos.
A outra forma de ser analisada a política fiscal é pela ótica “estrutural”, como é feita nos países-membros da União Europeia, Inglaterra, Chile e Colômbia. Essa é a perspectiva inaugurada agora pela SPE. Por essa lógica, é preciso ver o efeito do superávit primário sobre a atividade econômica. Ou seja, quanto do esforço de superávit primário foi obtido com alta de impostos, corte de gastos ou remanejamentos de despesas. Esses expedientes podem “esquentar” ou “esfriar” a economia.
Se o governo aumenta seus gastos e diminui impostos, como fez até agora a gestão Dilma Rousseff com seus diversos pacotes de medidas para tentar estimular o PIB, a política fiscal estrutural tem impulso positivo, ou expansionista. Por outro lado, se o governo corta despesas, como salários, investimentos ou benefícios sociais, e aumenta impostos, como deve fazer o governo a partir de 2015 e como indicou nesta segunda-feira, 22, a presidente Dilma, o efeito sobre a atividade é contracionista.
Holland diz que o estudo da SPE visa “promover a transparência fiscal”. “Esta metodologia nova permite ao governo e ao mercado fazer uma avaliação sobre a política econômica recente. Não é possível instituir esse método para o futuro, para definir metas fiscais, mas ele serve muito bem para promover o debate e a transparência nos resultados do passado na área fiscal.”