Nas últimas duas semanas, os futuros ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, se dedicaram a escarafunchar a contabilidade do governo federal para descobrir e medir os gastos que foram “pedalados” ou escondidos na tentativa de melhorar o resultado fiscal. Nessa espécie de comissão da verdade das contas públicas, eles têm contado com a ajuda de técnicos da atual equipe – e até esses se dizem surpreendidos com as revelações dos números.
A nova equipe econômica se assustou quando teve pleno acesso aos dados do setor elétrico, fornecidos por técnicos do Tesouro Nacional, da Eletrobrás, da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e também da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo uma fonte que trabalha na transição interna do governo, os futuros ministros ficaram surpresos, negativamente, com a chamada de “Tesouro dependência” no setor elétrico.
As empresas dizem ter a receber cerca de R$ 5 bilhões, entre recursos retidos e pagamentos adiados para 2015. Elas reclamam ainda outros R$ 4 bilhões para cobrir desequilíbrios decorrentes da correção das tarifas de Itaipu e outros R$ 3 bilhões referentes à aquisição de energia no mercado de curto prazo em novembro e dezembro. Mas esses dois itens podem ser transferidos para a tarifa.
Uma definição, atribuída a Levy, é que o setor elétrico, a partir de 2015, passará a viver com uma Aneel de “carta branca”. Isto é, o que for definido como descompasso pela agência será imediatamente transferido para a tarifa de energia ao consumidor. O Tesouro “não tem mais as condições mínimas” para realizar novos aportes às empresas, para segurar tarifas, segundo afirmou a fonte.
Os reajustes na conta de luz que estão no horizonte certamente pressionarão a inflação. Na visão da nova equipe, já está claro que os índices de preço vão piorar antes de melhorar. A palavra mais repetida no Planalto é “racionalidade”.
Outro ponto problemático é a Caixa, que nos últimos anos foi o principal instrumento do governo para “bombar” o crédito, escolhido como motor do crescimento na chamada nova matriz macroeconômica. O ritmo acelerado da concessão de empréstimos, cuja taxa de crescimento já esteve em 50% e em 2014 ficou em 20% a 25%, deixou o banco enfraquecido. A situação se agravou com os sucessivos pagamentos de dividendos ao Tesouro. Especialistas dão como certo que será necessário aportar recursos na Caixa e também no Banco do Brasil.
Dívida. Em seu único discurso desde que foi confirmado no cargo, Levy se comprometeu com o superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e de pelo menos 2% em 2016 e 2017 e com a queda do estoque da dívida bruta medida como proporção do PIB. A dívida bruta – diferente do conceito que vinha sendo usado no Brasil, a dívida líquida – reflete operações de crédito como as realizadas pelo Tesouro para fortalecer os bancos oficiais. Ao mirar nesse conceito, ele reforçou a linha que esses repasses serão encerrados.
Essa, porém, não é uma decisão trivial. Ninguém no Planalto jura de pé junto que não haverá novos aportes. O próprio Levy já comentou, em conversas internas, que a dívida bruta vai subir um pouco, estabilizar-se e só depois cair.
Além do sinal político, a escolha da dívida bruta teve algo de estratégico, segundo notam economistas do mercado. É nela que aparecerão, primeiro e com mais intensidade, os reflexos do ajuste nas contas públicas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.