Antigo crítico da União Europeia, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que o bloco mudou de atitude: deixou de negociar com “contrato de adesão”, em que colocava aos parceiros as condições. Antes de embarcar de Bruxelas, onde atuou como representante do governo brasileiro para fechar o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, Araújo disse ao Estado que o sucesso em fechar a parceria, cujas tratativas se arrastam há 20 anos, confirma o Brasil como “posição de referência” na América do Sul e reforça a candidatura do País à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube de países mais desenvolvidos do mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual foi o momento mais difícil da negociação?
Toda negociação tem sempre uma dinâmica imprevisível. Desde que cheguei aqui, notei uma extraordinária disposição para fechar o acordo. Tanto da União Europeia quanto do Mercosul. Nunca tive dúvida que fecharíamos. Na chegada, quando tivemos um jantar oferecido pela comissária de comércio, Cecília Malmström, já foi possível ver que o clima era bom, uma atmosfera excelente e disposição de fechar, com a percepção do valor estratégico do acordo.
O acordo ajudará na imagem do governo Bolsonaro no exterior?
É muito relevante. Ele comprova nossa disposição de construir uma abertura econômica sólida, de construir uma economia mais competitiva, mais ligada ao mundo, às cadeias globais de valor dentro da integração do Mercosul. Acho que confirma essa disposição do Brasil de ser um ator mais relevante no comércio internacional, com economia mais aberta e, ao mesmo tempo, confirma nossa posição de referência na América do Sul, de um governo que está se colocando a favor da economia de mercado e da democracia.
As reuniões que o presidente teve em Osaka foram importantes?
Foi importantíssima a interação (entre os negociadores em Bruxelas e a comitiva do presidente no Japão). São coisas que se complementaram muito. Já viemos com a determinação política do presidente para fazer tudo para fechar o acordo, tivemos o respaldo político sem o qual não se consegue fechar acordos dessa natureza.
O sr. acredita que, com o acordo, será mais fácil para o Brasil defender outros pontos de sua nova política externa, como a oposição ao uso do termo “gênero”?
Acho que sim, vamos mostrando que temos uma atitude no mundo que é construtiva, que temos políticas que decorrem dos valores do povo brasileiro e que são coisas que fazem sentido, que nos permitem dialogar. Temos uma política que valoriza a identidade nacional. Então, mostra que se pode ter uma política coerente em todas as frentes, que valoriza o Brasil em todas as frentes. Outra vertente é nosso desejo de entrar na OCDE, fica claro que estamos preparados. Encaixa muito bem.
Em 2017, o sr. chegou a criticar a União Europeia em um artigo (na ocasião, disse que a União Europeia representava “apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por valores abstratos”). O sr. mudou de opinião?
A própria União Europeia está mudando, né? É um bloco extraordinariamente eficiente no aspecto comercial. Mesmo assim, está mudando. Em relação à experiência que já tive no passado, hoje vejo como um sistema que está se abrindo, com atitude de compreender mais os outros. Antigamente, a UE negociava como contrato de adesão (impondo aos parceiros as condições). Isso é uma atitude que mudou muito.
O Brasil agora está preparado para partir para acordos comerciais com EUA, China, Japão?
Com todo mundo, certamente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.