Os primeiros meses de 2015 não deverão ser fáceis para as empresas brasileiras que optarem por se financiar via emissão de título de dívida. Por enquanto, a única certeza é que essas operações terão custos mais altos.
A operação Lava Jato piorou o ambiente para novas operações, locais e externas, o qual já estava prejudicado pelas fracas projeções macroeconômicas e perspectiva de alta da taxa Selic. Lá fora, some-se ainda a esperada elevação do juro norte-americano e os efeitos da atual queda do petróleo e das commodities em geral na percepção de risco das companhias emissoras.
Ao contrário dos anos anteriores, a maioria dos profissionais do mercado de renda fixa evita fazer projeções sobre volumes de títulos emitidos para o ano. Alguma tração nesse mercado é esperada o segundo semestre. No período, estima-se que a visibilidade vá melhorar não só em relação à Petrobras, mas também em relação aos ajustes macroeconônmicos no País e sobre como os investidores irão digerir a primeira alta do juro dos EUA desde 2006. Até lá, a confiança do empresariado e dos investidores estará comprometida.
O spread dos bônus corporativos brasileiros abriu 41 pontos-base em média em 2014, de acordo com dados da norte-americana Dealogic, que compila informações sobre o mercado de capitais. Em contrapartida, os bônus de emissores de países emergentes e de empresas norte-americanas sem grau de investimento estreitaram 52 pontos-base e 77 pontos-base, respectivamente.
Os bônus da Petrobras caíram 11% do anúncio de não divulgação do balanço em novembro até a mínima histórica de 90,85% do valor de face atingida em 16 de dezembro. O título da Petrobras passou a ser negociado como se a companhia não tivesse grau de investimento. O fundo abutre Aurelius, que levou a Argentina para uma nova moratória no ano passado, está organizando credores para formalizar a quebra do covenant pelo fato de a petroleira não ter publicado balanço até a data estipulada em uma das cláusulas.
Os títulos de dívida externa das companhias citadas no Lava Jato também caíram. A OAS, por exemplo, após não ter honrado um compromisso com cupom de seus bônus 2021, no montante de US$ 16 milhões, anunciou que vai começar a negociar com credores.
A queda do preço do petróleo, por sua vez, fez o índice High Yield Global cair quase 4% de março para dezembro, saindo de um retorno médio de 4,5% para 6,5%. O índice é composto aproximadamente 75% por empresas norte-americanas sem grau de investimento, sendo 15% de energia. Já a retração das commodities provocou queda de 16% no preço dos bônus 2020 da CSN, que saíram de uma máxima de 105% do valor de face em agosto para a mínima de 87,813% do valor de face em dezembro.
“Estamos entrando em 2015 com uma visão correta de como o ano vai ser: difícil”, disse Rodrigo Carbenite, executivo responsável pelo mercado de capitais de dívida na América Latina do Standard Chatered. Ele não espera atividade robusta, como é de praxe ao longo dos primeiros meses do ano, e considera que o alto custo fará com que as companhia evitem acessar o mercado externo neste momento de percepção ruim para o País.
“É preciso que o mercado abra em 2015 para vermos o humor dos investidores. Não considero que os grandes emissores e que bancos acessem o mercado neste começo de ano, mas fechamos 2014 com empresas high yield querendo equacionar passivos”, comentou ele, sem citar nomes. Mas nesta lista estão JBS, Marfrig e Cosan, que não conseguiram dar andamento a operações de troca de dívida.
Cabernite defende que este ambiente de preços comprimidos é interessante para companhias que queiram recomprar bônus emitidos com cupom elevados, mas sem a emissão de novos papéis. “Como o preço em dólar dos bônus de países emergentes vem caindo há seis meses, o investidor que perdeu vai gostar de ficar com dinheiro na mão para comprar papéis mais baratos”, explica. “Mas neste momento o emissor tem de refinanciar essa dívida em outro mercado que não o de bônus, onde o custo está muito alto neste momento”, acrescenta. Ele cita o mercado bancário, em operações sindicalizadas ou bilaterais. “Nos últimos cinco anos, quando o mercado de bônus não é eficiente, o bancário tem se mostrado melhor”, lembra.
Apesar da cautela expressa pelos participantes do mercado externo em relação ao risco Brasil, Cristina Schulman, responsável pela área de mercado de capitais de dívida do Santander Brasil, observa haver investidores estrangeiros que precisam colocar ativos do País em suas carteiras. “O Brasil não emite faz tempo e os investidores estão lá esperando”, disse.
Captações locais
Cristina acredita que a demanda local também será responsável por manter o mercado de dívida ativo. “O mercado de capitais para a pessoa física com produtos incentivados vai continuar crescendo”, diz. Ela também defende, porém, que mais operações irão aparecer no segundo semestre e ainda que os emissores tendem a aproveitar para administrar passivos.
O diretor de dívida do Bradesco BBI, Leandro Miranda, igualmente cita a liquidez como motor do mercado local, ponderando que as operações tenderão a ficar em prazos mais curtos e remuneradas a partir do CDI em sua maioria. “Quando a curva de juro estiver mais clara, haverá retomada forte das emissões a partir do IPCA (índice de preços), porque sempre há necessidade pelos fundos de pensão e pessoas físicas de se proteger da inflação”, explica.
Para Miranda, as condições mais árduas do mercado de dívida não implicam problema para empresas que têm poucos vencimentos em 2015, de aproximadamente US$ 12 bilhões em bônus e R$ 25 bilhões em debêntures. “Para mercados de US$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões são valores pequenos, não há preocupação com refinanciamento”, disse.
De todo o modo, as assets já revisaram em alta os spreads que esperam nas emissões de títulos de dívida no mercado local neste ano. “Acredito que os prêmios devem abrir entre 30 pontos-base a 70 pontos-base no segundo semestre, quando o mercado deve ter um volume maior de operações”, disse Jean-Pierre Cote Gil, gestor de renda fixa da Western Asset Management Company. Essa abertura de spread desconsidera riscos extremos como de racionamento de energia elétrica ou de água e ainda desdobramentos desconhecidos da operação Lava Jato.
Em dezembro, por exemplo, a Cemig GT pagou 0,85 ponto porcentual a mais de prêmio em relação ao começo do ano para vender R$ 1,4 bilhão em debêntures de quatro anos no mercado.
Cote Gil lembra que as empresas do setor elétrico são normalmente grandes emissores de debêntures e que poderiam utilizar estruturas de securitização frente a elevação dos custos como alternativa. “Pode ser uma alternativa mais barata, ceder um fluxo futuro com anuência do órgão regulador para constituição de um fundo de investimento em direito creditório (FIDC)”, disse.