O superendividamento – resultado da equação crédito fácil-falta de planejamento financeiro – tem se tornado, nos últimos anos, um problema cada vez maior, quando o valor das dívidas a pagar compromete drasticamente a renda ou mesmo o ganho mensal. O caminho, que vai da satisfação pela compra de algo desejado por meses ao desespero e à angústia por não conseguir pagar as contas no fim do mês, tem sido percorrido por um número cada vez maior de brasileiros nos últimos anos.
A vendedora ambulante de Brasília Maria do Socorro enfrenta o problema. O sorriso fácil desaparece quando começa a falar das contas. Socorro acumulou cerca de R$ 10 mil em dívidas com cheques e agora não tem crédito para conseguir financiar uma casa no programa habitacional do governo local. “Estou pagando aluguel e preciso quitar a dívida, mas o dinheiro é pouco. Escolhi pagar o aluguel, porque sem casa não dá para ficar”.
Mãe de três filhas, duas menores e uma adulta, a vendedora de água, sucos e refrigerantes na área central da capital consegue apenas o suficiente para pagar as contas do dia a dia e vê os débitos crescerem. “Só eu trabalho para pagar as contas e as dívidas foram se acumulando”, contou.
Para ela, a “luz no fim do túnel” pode estar no Programa de Prevenção e Tratamento de Consumidores Superendividados oferecido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Como em um acompanhamento médico para um paciente, consultores do tribunal farão a análise das dívidas decorrentes da relação de consumo para “receitar” caminhos destinados ao pagamento dos débitos.
“Muitas vezes, quando a pessoa está superendividada não enxerga a luz no fim do túnel e a gente pretende dar essa luz, dizer que ela tem como sair da situação” explicou o coordenador do projeto e vice-presidente do TJDFT, Waldir Leôncio. [O superendividamento] ocorre quando a pessoa tem a capacidade de pagamento das dívidas superando os seus rendimentos, comprometendo sua subsistência. O programa está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana”, acrescentou.
Pode se inscrever a pessoa física, maior de idade que, de boa fé e por má administração do orçamento, seja por distúrbio – como o consumismo – ou por infortúnios – como morte, doença, divórcio ou desemprego, por exemplo – esteja impossibilitada economicamente de pagar o conjunto das dívidas.
“Na verdade, é tratamento mesmo. Temos [no meio jurídico] doutrina sobre o assunto, que dá esse enfoque, porque o superendividado equivale a uma pessoa cujas finanças estão mal de saúde. Em uma situação em que alguém tem sua saúde física necessitando de melhoria e cura, é preciso se submeter a um tratamento. Em se tratando de finanças, é a mesma coisa”, comparou Leôncio.
Para ele, o tratamento exigirá dedicação e sacrifícios. "O programa não é para perdoar dívidas. Estamos chamando essas pessoas para assumir a responsabilidade delas. Não existe aqui um tratamento paternalista. Não queremos tratar o devedor com a visão paternal, mas sim realista. Então, se a família têm dois automóveis, é claro que ela poderá ser aconselhada a se desfazer de parte do patrimônio para quitar as dívidas”, acrescentou.
De acordo com o coordenador, estão sendo firmados convênios com instituições, especialmente bancos, para possibilitar que os devedores aptos a participar do programa tenham o débito negociado de forma diferenciada. “Então, com aquele que é assalariado e tem dívida em várias instituições, por exemplo, procuraremos trabalhar para uma solução em que ele possa se manter e, ao mesmo tempo, pagar os débitos. Haverá várias formas de negociação, com a chamada moratória, possibilidade de redução dos encargos e até mesmo capital emprestado. Na verdade, esses convênios vão dar aos superendividados condições de eles se reerguerem”.
Segundo o vice-presidente do TJDFT, o primeiro passo para solucionar o problema é reconhecer que ele existe. Para se inscrever no programa, o próprio devedor deve enviar e-mail para [email protected] relatando os problemas com as finanças. Está fora do programa a negociação de dívidas oriundas de débitos fiscais, trabalhistas, de alimentos, profissionais e habitacionais.