A União Europeia (UE) deseja que o Brasil se comprometa com metas de sustentabilidade, entre elas a redução de desmatamento na Amazônia, como uma condição complementar antes de assinar o acordo de livre-comércio com o Mercosul. O bloco europeu propôs uma declaração política à parte, focada no meio ambiente e com metas e objetivos concretos, como condição para seguir com o processo de assinatura e ratificação parlamentar do tratado. Diplomatas negociam os termos do texto com autoridades do governo Bolsonaro.
A Europa aposta na chegada de Portugal à presidência do conselho rotativo da União Europeia para acelerar a negociação e sensibilizar o governo brasileiro. O país ocupa o cargo até junho. Depois, assume a Eslovênia. Por isso, a diplomacia europeia trabalha com "sentido de urgência" para obter a concordância do Itamaraty na declaração complementar.
Na minuta em discussão, o lado europeu reconhece "dificuldades" no tema sustentabilidade, mas reafirma o interesse no acordo Mercosul-UE. A assinatura do acordo só vai ocorrer depois de o conselho da UE aprovar a declaração. Após a assinatura, os parlamentos dos países-membros e o Parlamento Europeu recebem a íntegra do tratado para votação.
"Essa declaração vai servir para restabelecer a confiança dos Estados-membros no acordo", afirma Ignacio Ybáñez, embaixador da União Europeia em Brasília, para quem o fracasso da negociação "seria uma oportunidade perdida muito grande". "O governo brasileiro tem de responder, tem de trazer soluções e boas notícias no âmbito do desmatamento e da Amazônia. E eles sabem. Nas nossas conversas com o vice-presidente (Hamilton Mourão), com o ministro (Ernesto) Araújo (das Relações Exteriores) e o resto do governo todos aceitam que há essa necessidade."
A expectativa europeia é realista. Os líderes políticos não esperam que incêndios e desmatamento caiam a zero de um ano para outro, mas cobram que o governo Bolsonaro reverta a tendência de alta desde o início do mandato. "Se você olhar 2019 e 2020, os dados cada vez são piores. Precisa mudar, as medidas que o governo anunciou têm de começar a produzir resultado", diz Ybáñez. "O que estamos trabalhando com o governo brasileiro é uma declaração que coloque certos objetivos, metas que vamos estabelecer no âmbito do desmatamento. Com essa declaração queremos restabelecer a confiança da opinião pública europeia e dizer que vamos juntos com o Brasil."
<b>Recado.</b> O embaixador de Portugal, Luís Faro Ramos, pondera que, pela relação histórica com o Brasil, o País tem condições de promover o convencimento. A diplomacia europeia aposta que os portugueses podem fazer o "recado" ser mais bem compreendido do que na voz de outras nações.
No alto nível político, houve uma série de atritos desde 2019 entre o governo Bolsonaro e o governo francês de Emmanuel Macron. Os diplomatas dizem que as declarações atravessadas são mais voltadas a atender à política interna de cada país. Mas asseguram que as objeções vão além da França. "Portugal pode dizer certas coisas ao Brasil que se forem ditas por outros não serão compreendidas da mesma forma", diz Ybáñez.
Os europeus rejeitam reabrir negociação sobre os termos do acordo, fase concluída em 2019 após duas décadas de conversas em assuntos comerciais, econômicos e políticos. Mas argumentam que o Brasil precisa deixar claro a todos os países do bloco seu comprometimento com a pauta ambiental, que se converteu no principal entrave à assinatura e posterior ratificação do acordo negociado.
"Para Portugal, o acordo está bom", diz Faro Ramos. "O acordo está bem fechado. Mas falta a ratificação, um processo complexo e que exige boa vontade de todos os lados. Tem de haver um ponto de equilíbrio em que todos se reconheçam. É nisso que estamos a trabalhar."
<b>Mudança.</b> Em que pese a manutenção dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, identificados com uma pauta anticlimática, os embaixadores dizem que as representações da Europa em Brasília notaram uma mudança de postura do governo Bolsonaro no ano passado. Antes "reativa", passou a ser mais "construtiva". Consideram que houve mais abertura ao diálogo e elogiam a criação do Conselho da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Para eles, pesou o fato de o Brasil ter de apresentar resultados positivos para alcançar a implementação do Acordo Mercosul-UE e atender aos requisitos para o ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>