Educação

Dilma dá indícios de que pode escrever sua própria história

Leia a segunda parte da série de reportagens "O milagre das ex-guerrilheiras"

Dilma Rousseff se manterá na presidência da República com o único objetivo de favorecer a reeleição de Lula.

Esta previsão feita por alguns analistas políticos tem se confirmado nos oito meses do governo dela? Ou a previsão precisou ser revista, depois que Dilma atacou a corrupção na administração pública, com uma "inabilidade" inimaginável em Lula, o "animal político", exaltado pelos seus méritos de conciliador, mesmo quando lida com interesses escusos?

Por detrás desta questão, há outra mais profunda. O desempenho de Dilma será marcado apenas pela lealdade a Lula, ou ela tem trajetória própria? Se tiver, certamente virá da experiência mais marcante de sua vida. A de mulher torturada durante a Ditadura Militar.

Nesta semana, o GuarullhosWeb começou a publicar uma reportagem de pesquisa sobre como as mulheres foram atingidas pelas torturas nas prisões políticas brasileiras e como reagiram a ela. Inclusive Dilma e Maria de Lourdes Rego Melo, sobre quem há um estranho silêncio.

Hoje, publicamos a segunda parte desta reportagem. (leia a primeira parte aqui)

Mulheres ficavam expostas e humilhadas durante os rituais de tortura

Até o instrumento de tortura mais corriqueiro nas cadeias brasileiras – nem por isto menos perverso -, o chamado "pau-de-arara", foi empregado de maneira diferente nos interrogatórios das presas políticas, durante a Ditadura Militar, como mostra também o livro "Brasil, Nunca Mais". Algo propiciado aos torturadores pela anatomia feminina, e, pelo pudor culturalmente imposto às mulheres. Elas eram despidas antes de serem suspensas por uma vara de ferro estendida entre duas mesas, dobradas sobre si mesmas, como se fossem um frango numa máquina de assar. Esta vara era antes enfiada através da dobra dos seus dois joelhos. Os quais estavam colados ao peito delas. Pois suas pernas, dobradas, tinham de ser enlaçadas por seus dois braços. Os punhos, amarrados juntos, por tiras de couro.

O início do ritual de preparação deste método de tortura já tinha um sentido diverso para elas, por causa da nudez forçada, a que os homens também eram submetidos. E elas, depois de imobilizadas no pau-de-arara, ficavam com a genitália à mostra. O que fornecia aos torturadores uma reentrância especialmente sensível para a introdução dos fios de cobre dos terminais de aparelhos de campanha do Exército. Com estes fios, eles aplicavam choques elétricos para intensificar a tortura no pau-de-arara. Uma reentrância a mais, além das da boca, do nariz, dos ouvidos e do ânus, visadas pelos torturadores também nos corpos masculinos.

Frequentemente, outro complemento era usado junto com o pau-de-arara: a "palmatória", descrita no livro "Brasil, Nunca Mais", como uma borracha grossa, sustentada por um cabo de madeira, usada para espancar os prisioneiros.

Maria do Carmo Brito, uma das ex-presas ouvidas por Lúcia Murat, para a produção do documentário "Que bom te ver viva" contou como estes instrumentos foram usados contra ela: "Eu me lembro que estava pendurada no pau-de-arara e, como eu estava menstruada, meu sangue começou a pingar. Eles disseram que não estavam dispostos a ver aquele espetáculo. E, por consideração ao fato de eu ser uma senhora, me puseram uma calça nojenta. Uma calça de homem suja. Depois, de vez em quando, me pegavam com calça e tudo e me jogavam num aquário. E, tornavam a me pendurar no pau-de-arara".

Dilma Rousseff passou por uma situação semelhante, Ela mesma revelou isto ao jornalista da Isto É, Luiz Cláudio Cunha, quando ele preparava uma matéria publicada pela revista em dezembro de 2005. À altura da conversa com o jornalista, Dilma já era ministra do governo Lula. E contou: "Levei muita palmatória, me botaram no pau-de-arara, me deram choque, muito choque. Um dia, tive uma hemorragia muito grande, hemorragia mesmo, como menstruação. Tiveram que me levar para o Hospital Central do Exército". Em seu texto o jornalista prosseguiu: uma parceira de prisão política sugeriu à Dilma: "‘Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e você não ter que voltar" para a tortura.

Para outro jornalista, Luiz Maklouf Carvalho, da Revista Piauí, Maria Luíza Belloque, também companheira de prisão de Dilma, contou: "A Dilma levou choque até com fiação de carro". E, acrescentou: "Fora cadeira de dragão, pau-de-arara e choque pra todo lado". Estas revelações sobre a presidenta foram publicadas na matéria "A educação política e sentimental de Dilma Rousseff", veiculada na edição n°31 da revista Piauí, em abril de 2009.

Silêncio sobre mulheres

Nem mesmo o atávico medo feminino de barata deixou de ser explorado contra as presas políticas. Muitas vezes ampliado pelo total desrespeito não apenas à Declaração Universal dos Direitos Humanos, como ainda aos direitos dos prisioneiros de guerra, como mostra o livro "Brasil, Nunca Mais". Nele, há o seguinte sobre a cabeleireira Jussara Lins Martins, de 24 anos, de Minas Gerais: "durante a primeira fase do interrogatório foram colocadas baratas sobre o seu corpo e introduzida uma no seu ânus". Outro tipo de ampliação do medo de bichos rasteiros foi usado contra a estudante carioca Dulce Chaves Pandolfi, de 23 anos. Ela contou que "ao retornar à sala de torturas foi colocada no chão com um jacaré sobre seu corpo nu".

A repetição da violência, em longos interrogatórios, provocaram, como era inevitável, danos psicológicos nas presas políticas. Dilma Rousseff, por exemplo, ficou mais de 20 dias sendo interrogada e torturada, como contaram a outros dois jornalistas da Isto É – Luíza Villaméa e Cláudio Sequeira – colegas de cela dela, na prisão. Esta informação foi veiculada pela revista no dia 25 de junho de 2010

O medo que os bichos despertaram nas presas políticas assusta ainda hoje Estrela Bohadana. Em seu depoimento para o filme de Murat, ela confessou: "Tem sido uma coisa terrível para mim. Toda vez que eu vejo uma lagartixa, ou tenho crise de choro, ou saio correndo, procurando socorro. Mesmo que racionalmente eu saiba que ela não vai virar um jacaré. O problema não é este, de virar ou não um jacaré. É o que ela suscita. Quando eu olho a lagartixa, volta à memória o que a situação de prisão, de tortura".

Maria do Carmo Brito também descreveu para Lúcia Murat os danos psicológicos que continuaram a atormentá-la, depois da prisão: ""Eu sou capaz de adoecer só de ficar puxando desgraça", disse ela. Para exemplificar, ela contou: "Há poucos dias atrás, eu estava numa praia, e, a minha mãe, o meu marido e meus dois filhos saíram para ir a uma cachoeira. Eu resolvi não ir. Aí se armou um temporal terrível. E eu comecei a imaginar que eles poderiam ser atingidos por um raio. Meia hora depois, estava vomitando. Isto é, sou capaz de adoecer só por causa da minha imaginação". Maria do Carmo concluiu: "Eu não era assim, antes".

Relatos como estes ninguém quer ouvir, segundo Estrela. No filme-documentário, ela disse: "Acho que há um silêncio sobre como as pessoas que foram torturadas vivenciam internamente isto. As pessoas não suportam ouvir como você se sente diante da tortura. Qual foi a sua experiência emocional interna, diante da tortura".

Posso ajudar?