A dívida pública líquida brasileira poderá ir a 48,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 se as contas não forem ajustadas a partir do próximo governo, ameaçando o grau de investimento do Brasil obtido pelas principais agências de classificação de risco. No ano passado, a dívida fechou em 33,6% do PIB.
O salto de mais de 10 pontos porcentuais será resultado da redução do superávit primário, o saldo positivo entre gastos e receitas do governo destinado ao pagamento de juros da dívida e foi estimado em estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) apresentado a técnicos e diretores do Banco Central (BC), em meados do mês passado e obtido pela reportagem.
“O único cenário que garante a manutenção das notas do Brasil junto às agências de risco é uma mudança no rumo da política fiscal”, diz Gabriel Leal de Barros, pesquisador do Ibre/FGV e autor do estudo.
Perder o grau de investimento teria um efeito prático: determinados investidores estrangeiros, como fundos soberanos e fundos de pensão, têm como política aplicar somente em ativos de países com grau de investimento. Em março, a Standard & Poors (S&P), uma das três agências globais, rebaixou a nota do Brasil, mas manteve o grau de investimento.
Barros estimou o avanço da dívida pública segundo três cenários possíveis para os rumos das contas públicas: a manutenção da atual política, com uso de estratégias de “contabilidade criativa” e baixo superávit; um “ajuste modesto” e uma “mudança de rumo”.
Superávit primário
A variável fundamental é o superávit primário. No ano passado, a economia de recursos do governo ficou em 1,9% do PIB e, este ano, deverá ficar em 1,2%, segundo o estudo de Barros. No cenário em que a meta das contas públicas fica na casa de 1,5%, a dívida cresce e o PIB avança pouco. Se o superávit for a 2,2%, o endividamento fica controlado, com um pouco mais de crescimento econômico, inflação no centro da meta e juros mais baixos.
Para Francisco Luiz Lopreato, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, um cenário de elevação de mais de 10 pontos porcentuais da dívida pública em relação ao PIB é excessivamente pessimista. Isso porque a economia brasileira tem potencial para crescer acima de 1,5%, ritmo usado nas projeções do estudo do Ibre/FGV até 2020.
“Esse crescimento não é realista, como cenário”, afirma Lopreato. Como comparação, o professor destaca que o crescimento econômico médio nas duas décadas de péssimo desempenho na história do País, os anos 1980 e 1990, ficou entre 2,4% e 2,7% ao ano.
Lopreato defende a estratégia da política fiscal do governo, de reduzir o superávit primário para incentivar a demanda, com aumentos reais no salário mínimo e desoneração de impostos sobre bens de consumo, mas critica a má comunicação sobre o tema. Com uma comunicação melhor, o governo poderia “assumir” de forma aberta que faz uma “política fiscal ativa”, anunciando e cumprindo um superávit menor.
Na visão do professor da Unicamp, essa política ativa permitiu, nos últimos anos, “assegurar uma posição proeminente aos gastos sociais” no Orçamento, por exemplo, com os reajustes no salário mínimo. Por outro lado, a proposta de ajustar as contas públicas para dar confiança ao setor privado, que então investiria mais, resultando em maior crescimento econômico, não é garantida, segundo Lopreato.
Na campanha eleitoral, a oposição tem reforçado a importância de fazer ajustes. Um dos colaboradores do programa de governo do candidato a presidente Aécio Neves (PSDB), sobretudo para a política fiscal, Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), teme por um rebaixamento das notas do Brasil ainda este ano.
“Num governo de oposição, tenho certeza que não haveria (a perda do grau de investimento). Na hipótese de reeleição, torço para que não venha, mas não tenho dúvida. Esse governo fez muita trapalhada na área fiscal e usa instrumentos que, a cada dia, aumentam as incertezas das contas públicas”, diz Almeida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.