Sabrina Mestieri aprendeu desde cedo a economizar e a dar valor ao seu dinheiro. Aos 10 anos de idade chegou à conclusão de que seria errado utilizar o dinheiro dado a ela pela mãe para comprar um presente de Dia dos Pais. Ela passou, então, a dividir todo o dinheiro que recebia dos pais em envelopes conforme a destinação das quantias. Este é um dos métodos que Sabrina hoje, aos 34 anos, casada, mãe de um menino de 6 anos e de gêmeos de 4 anos, utiliza na educação financeira dos filhos e de outras famílias.
“Os livros de educação financeira não falam para crianças dessa idade; falam para crianças a partir de 8 anos. Achei que meus filhos poderiam aprender isso antes”, afirma ela, jornalista especializada em negócios que desenvolve o projeto “Crianças e Finanças”, com palestras e cursos sobre o tema. O programa mostra às crianças para que serve o dinheiro e incentiva o consumo e a organização da poupança por meio de uma carteira com divisões por cores, recompensas pelo desempenho escolar e um quadro de compromissos que resultam em estrelas trocadas por moedas.
Sabrina é apenas um dos casos de famílias que, em meio à insegurança em relação ao acesso futuro à aposentadoria proporcionada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), preocupam-se em ensinar os filhos a poupar desde cedo para garantir o seu futuro.
A coach de educação financeira Sabrina Espíndola, de 37 anos, tem uma filha de 6 anos e conta que ela e seu marido se esforçam para mostrar à criança a importância do dinheiro e do seu bom uso. “Digo que precisamos ganhar dinheiro para depois gastar; negociamos com ela os presentes e explicamos quando alguma coisa está cara e que não dá para comprar. Demos à Joana um porquinho de cofrinho para juntar dinheiro”, relata.
De acordo com o economista e diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro, o baixo crescimento econômico do país e os juros altos são outros motivos que explicam o estímulo das famílias à poupança dos filhos. “A conscientização é muito importante e, quanto mais cedo você começar a se preocupar com isso, mais fácil será as crianças crescerem em um ambiente de educação financeira”, afirma.
Números do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) mostram, entretanto, que o hábito de poupar e de se planejar ainda não é uma realidade para a maior parte dos brasileiros. Conforme estudo divulgado em abril desse ano, 8 em cada 10 brasileiros (78%) admitem que não estão se preparando para a hora de se aposentar. A idade média em que os entrevistados começaram a poupar para a aposentadoria é de 28 anos.
Previdência pública versus privada
Outro efeito das dificuldades econômicas do país e da insegurança em relação à aposentadoria do INSS ser insuficiente é a busca pelos planos de previdência privados.
“Não quero que meus filhos tenham que contar com o governo. Sabemos que, por mais que tenhamos fé e esperança de que as coisas possam melhorar, é surreal tentar contar com uma previdência pública que nunca funcionou”, afirma Sabrina Mestieri. A coach Sabrina Espíndola também conta que contratou dois planos de previdência privada logo após o nascimento de sua filha.
De acordo com Miguel Ribeiro, a aprovação de uma futura Reforma Previdência gera ainda mais insegurança em relação à suficiência do benefício do INSS para viver. “Com a reforma, a gente não sabe o que vem pela frente, mas é fato que irá a idade mínima aumentará e as regras se tornarão mais rígidas”, afirma.
O advogado previdenciário Thiago Luchin, entretanto, alerta que a previdência privada deve ser utilizada apenas como um complemento ao INSS e nunca como substituta. “Na previdência privada, o valor a ser investido é muito maior com um retorno e benefícios menores. Com as notícias sobre a Reforma da Previdência muitas pessoas deixaram de contribuir, com medo de que estariam jogando dinheiro fora. Esse é um grande equívoco, porque a Previdência Social é um recurso importantíssimo que, quando investido corretamente, gera uma renda segura e fundamental para o trabalhador”, defende o especialista do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Para ele, o governo deve ser responsável pelo trabalho de educação e conscientização previdenciária . “Falta um programa de incentivo previdenciário por parte do governo, assim como educação nas escolas e dentro de casa. Com isto, as pessoas só vão perceber a necessidade de ter uma previdência próxima dos 30 anos de idade, retardando o momento de se aposentar e perdendo possíveis benefícios como, por exemplo, o salário-maternidade e o auxílio-doença”, analisa Luchin.
O economista e professor de ciências econômicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), Ramon Fernandez, aborda a discussão sob a ótica social e comportamental. “Depois de algum tempo contribuindo com a sociedade, as pessoas ganharam o direito de deixar de trabalhar mesmo quando ainda poderiam continuar produzindo. A questão básica que se coloca é: de onde deveriam sair os recursos para manter essas pessoas?”, questiona.
Para o economista, é possível ver a previdência como um problema individual, no qual cada pessoa traça sua estratégia financeira, ou de todos, como um planejamento do Estado para o bem da sociedade. Fernandez também afirma que a literatura econômica mostra que os seres humanos têm dificuldade de calcular a poupança de recursos em relação ao pós-aposentadoria, pois ninguém sabe o quanto irá viver. Outra questão é que boa parte da população brasileira não tem condições de atender adequadamente às suas necessidades correntes e, menos ainda, de poupar para o sustento futuro.
Sem acreditar no apoio do Estado, entretanto, a jornalista e idealizadora do projeto “Crianças & Finanças”, Sabrina Mestieri, defende que o ideal seria focar menos nos programas sociais e gerar mais conhecimento em educação financeira. “Há uma cultura de falta de educação financeira, o que faz com que os empresários tenham que ter um conhecimento de gestão não só para si, mas para o funcionário. Existe uma parcela da população muito grande que é dependente de programas sociais e não é possível tirar isso da noite para o dia e deixar as pessoas na miséria, pois elas não são educadas para isso (o planejamento financeiro)”, reflete.
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Especialistas orientam a encontrar o plano de previdência ideal
A desconfiança em relação à aposentadoria oferecida pelo INSS para o sustento futuro e a aprovação de uma possível Reforma da Previdência faz com que os planos de previdência privada se tornem uma opção de planejamento para os brasileiros.
De acordo com Jusivaldo Almeida, educador financeiro e vice-presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), é importante pensar em quando será iniciada a poupança para planejar o plano ideal. “Quanto mais cedo começar, mesmo com valores pequenos, maior tempo a pessoa terá para acumular recursos. Para se aposentar com 65 anos, considerando-se que a poupança comece aos 25 anos, o planejamento deveria prever no mínimo um valor equivalente a 10% da renda. Para início com 35 anos, o valor subiria para 20%”, exemplifica.
Para Almeida, é importante que se pense no futuro desde cedo. “Ter um plano de previdência privada desde jovem poderá garantir um futuro confortável”, ainda mais com a reforma da Previdência e as incertezas da aposentadoria do INSS, afirma.
Segundo o especialista, o jovem deve refletir sobre seu padrão de vida atual e o desejável na vida pós-aposentadoria; sobre aspectos como a manutenção da saúde e o preenchimento do tempo livre que terá à disposição e buscar produtos de acordo com seu perfil financeiro. São boas opções planos oferecidos pela empresa dos pais ou ofertados por bancos e seguradoras, como na modalidade PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), para aproveitar a dedução de 12% da renda bruta no cálculo do imposto de renda, caso se utilize o modelo completo da Declaração de do Imposto de Renda. Caso contrário, o jovem pode fazer um VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), plano vantajoso quando se utiliza a declaração simplificada do IR.
“Nos dois casos, se o jovem está consciente de que está fazendo um investimento de longo prazo, superior a 10 anos, deve adotar o regime de tributação regressiva, pois o desconto no imposto de renda sobre o resgate ou renda será de apenas 10% lá na frente”, orienta.
O mercado ainda conta atualmente com planos de previdência privados voltados exclusivamente ao público infantil. “Saber lidar com o dinheiro desde cedo e, principalmente, investir adequadamente é vital para garantirmos a realização de projetos de vida de longo prazo. Nesse sentido, a previdência privada voltada a crianças tem um papel social muito importante”, afirma Ângela Beatriz de Assis, diretora comercial e de marketing da Brasilprev, que está lançou o plano “Brasilprev Júnior”. “Como a reserva vai sendo constituída ao longo de muitos anos, é possível com uma pequena quantia mensal conseguir valores significativos, que fazem toda a diferença lá na frente quando a criança tiver 18 ou 20 anos”, aconselha.
O economista e diretor-executivo da Anefac, Miguel Ribeiro, ainda afirma que existem outras formas de garantir o sustento futuro como a compra de títulos públicos do governo com o rendimento sobre a taxa de juros Selic. Contudo, é preciso ser regrado. “O Tesouro Direto é uma aplicação financeira e não há a obrigatoriedade de depositar todo mês. Se no meio do caminho você saca o dinheiro e vai viajar para a Europa, aquele planejamento de previdência já foi embora”, adverte.