Ministério da Cidadania ignora alertas de fraude sobre empresa

O Ministério da Cidadania ignorou alertas e aceitou um certificado de serviço que nunca foi prestado, segundo a Polícia Federal (PF), para firmar contrato milionário com uma empresa de tecnologia da informação. Segundo documentos obtidos pelo jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>, a Business to Technology (B2T) atestou à pasta sua capacidade técnica usando como base ações que teria desempenhado anos antes no Ministério do Trabalho. Esses serviços, porém, nunca foram realizados, de acordo com a PF, que mirou a B2T na última quinta-feira, durante a Operação Gaveteiro.

O <b>Estado</b> revelou no sábado (8) que a empresa contratada pela pasta do ministro Osmar Terra é suspeita de ter sido usada como fachada para desviar R$ 50 milhões dos cofres públicos entre 2016 e 2018, durante a gestão de Michel Temer. A B2T foi contratada pelo Ministério da Cidadania para prestar os mesmos serviços dos contratos em que a PF diz ter havido desvios de dinheiro público.

O certificado de capacidade técnica apresentado pela B2T chegou a ser contestado por duas empresas concorrentes durante o pregão. No documento, o extinto Ministério do Trabalho informa que, nos anos de 2016 e 2017, adquiriu solução de apoio a tomada de decisão Business Inteligence (BI) da B2T. Apesar dos alertas, o responsável pela contratação, assinada no primeiro ano do governo Bolsonaro, decidiu considerar o documento válido e decretou a B2T vencedora do edital em julho do ano passado.

Em 2017, um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) havia apontado fraudes no contrato fechado com o Ministério do Trabalho. Na ocasião, o órgão orientou que o governo federal cessasse as contratações com a empresa. No mesmo ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) também emitiu parecer em que aponta suspeitas de irregularidades. Os alertas dos órgãos de controle também foram ignorados.

A B2T foi procurada nesta terça-feira, 11, por meio do número de telefone publicado em seu site. A atendente disse que não havia ninguém disponível para falar com a reportagem.

<b>Contestação</b>

O primeiro alerta foi feito pela Citis Tecnologia. A empresa apresentou recurso para afirmar que o atestado emitido pelo Ministério do Trabalho é referente a contratos sob investigação pela CGU e pela AGU, "em virtude de séria suspeita de fraude, face à provável direcionamento da licitação, superdimensionamento do quantitativo de licenças e superfaturamento".

Outra empresa que participou da licitação, a Datainfo Soluções também questionou a idoneidade dos atestados apresentados pela B2T. "Considerar o atestado emitido pelo Ministério do Trabalho vai de encontro com os princípios de Direito mais basilares como o da moralidade e da probidade, ligada à confiança e legitimidade das informações", dizia trecho do recurso.

A área jurídica do Ministério da Cidadania, no entanto, disse que seria preciso aguardar desdobramentos das investigações promovidas pela CGU e AGU. A proposta da pasta foi de se fazer uma diligência para certificar a real validade e legitimidade do atestado apresentado pela B2T.

O ministério chegou a citar, em relatório interno do pregão, trecho da investigação da CGU feita na contratação anterior com o Ministério do Trabalho. No documento, o órgão de controle aponta, entre outras irregularidades, direcionamento de licitação e superdimensionamento do serviço que seria prestado, com "consequente superfaturamento nas Ordens de Serviço dos contratos".

A área jurídica decidiu ignorar os recursos e dar prosseguimento à licitação, declarando a B2T vencedora. Na avaliação do Ministério da Cidadania, "em que pese o citado relatório (da CGU) apontar graves falhas no planejamento da contratação, merece atenção que o documento se trata de um relatório e não um decisão condenatória transitada e julgada o qual não pode ser usado para desqualificar os atestados apresentados".

<b>Empenho</b>

Além de ignorar os alertas de irregularidades, o Ministério da Cidadania autorizou, um dia antes da vigência oficial do contrato, o empenho das duas primeiras parcelas do pagamento à B2T. O empenho é o primeiro passo para a liberação dos recursos. Um dos pagamentos, no valor de R$ 3,9 milhões, foi pela prestação de 14.339 serviços de manutenção corretiva e sustentação de software. O empenho do valor foi feito em 16 de julho de 2019. O contrato com a B2T só passaria a vigorar no dia seguinte.

Procurado pelo jornal, o Ministério da Cidadania não respondeu se o serviço chegou a ser prestado. Também não informou em quais repartições ou computadores teriam sido instaladas as soluções inteligentes que custaram quase R$ 7 milhões, nem deu explicação para a autorização do empenho do contrato um dia antes dele começar a vigorar.

Os contratos de TI fechados na gestão Osmar Terra somam um montante de R$ 35 milhões, dos quais 25 milhões foram firmados num período de seis meses sem licitação. O ministério diz que "avalia" todos os contratos da atual gestão, mas não explica se os pagamentos foram suspensos. No mês passado, toda a equipe que chefiava o setor de TI do ministério foi exonerada, depois que começaram a surgir suspeitas sobre os contratos. A pasta não informou se os cinco funcionários são alvo de sindicância.

<b>Disfunção burocrática </b>

Para debater o tema, o <b>Estado</b> falou com Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Público da FGV. Veja os principais trechos da entrevista:

<b>Como o senhor enxerga esse problema no Ministério da Cidadania?</b>

Esse é um problema que a disfunção burocrática gera. O que acontece é que não existe um sistema unificado de atestação de execução de contratos no governo federal. Assim, quando ocorrer uma suspeita grave de que o contrato não foi executado, o atestado pode ser suspenso.

<b>O ministério pode ignorar um alerta da CGU sobre uma empresa?</b>

Seria preciso que existisse uma autorização, como um decreto. Se um alerta da CGU for considerado suficiente por um decreto do presidente para suspender o atestado, o ministério poderia desconsiderá-lo, mas não existe essa regra hoje. É um problema que hoje existe na organização da administração federal que não foi solucionado. Portanto, isso tem solução na esfera burocrática, mas o Ministério da Cidadania não teria competência para resolver o problema.

<b>Qual seria a solução?</b>

A solução seria o presidente editar um decreto dizendo que fica atribuída à CGU a competência para fazer o registro centralizado de todos os atestados de desempenho e para suspender a eficácia dos atestados que sejam objetos de investigações com indícios de irregularidades graves.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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