A proposta do governo Socialista francês em prol de uma revogação da cidadania de terroristas condenados que tenham duas nacionalidades se transformou numa dura disputa política, com a extrema direita aplaudindo o movimento enquanto alguns esquerdistas expressam indignação.
O presidente francês François Hollande submeteu a proposta três dias depois dos ataques de 13 de novembro em Paris, os quais deixaram 130 mortos. A ação representou uma mudança em direção a uma linha mais dura na política de segurança. A ideia parece ter forte apoio da opinião pública francesa, com pesquisas indicando que 80% a 90% dos franceses são favoráveis.
Pela atual lei francesa, a revogação da cidadania só pode ocorrer quando as pessoas foram naturalizadas, nunca quando elas nascem na França. O procedimento raramente é implantado. A nova regra estenderia a revogação a qualquer pessoa com dupla nacionalidade, mas não pode ser aplicada a pessoas que são apenas cidadãos da França. Isso porque leis internacionais impedem que uma pessoa seja deixada sem qualquer cidadania.
Oponentes da medida consideram que ela criaria duas classes de cidadãos: os de cidadania dupla que poderiam ser enquadrados na medida e os outros que não podem. Essa separação, alegam, é contrária ao princípio de igualdade da constituição francesa.
As autoridades da França não informaram quantos dos presos por conta dos ataques em Paris têm cidadania dupla.
Figuras proeminentes do Partido Socialista, incluindo o ex-primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault e a prefeita de Paris Anne Hidalgo, expressaram publicamente sua desaprovação, mas Hollande tem se mantido firme.
“A França precisa tomar boas decisões que vão além das divisões partidárias”, disse o presidente em discurso de Ano Novo.
Enquanto a esquerda está dividida, Hollande está obtendo apoio incomum da direita. O partido de extrema direita Frente Nacional chegou a alegar que a ideia partiu de seus quadros. “Terroristas não merecem a cidadania francesa porque a cidadania francesa é uma honra, disse o vice-presidente do partido Florian Philippot.
Membros da oposição conservadora, incluindo o ex-presidente Nicolas Sarkozy, também apoiaram fortemente a proposta, enquanto pedem também mais medidas de segurança.
O governo diz que a nova medida seria aplicável a um número muito pequeno de pessoas.
O tema permanece extremamente sensível na França, porém, com alguns comparando a medida com a revogação da cidadania de judeus e membros da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, quando o governo liderado por Philippe Pétain colaborou com autoridades alemãs. A chamada França de Vichy revogou a cidadania de mais de 15 mil naturalizados franceses e outros 500 nascidos na França, incluindo o general Charles de Gaulle.
“É perigoso porque você começa querendo revogar a cidadania de algumas pessoas, e depois acaba dando um passo além”, disse a senadora socialista Samia Ghali.
O primeiro-ministro francês Manuel Valls defendeu a ação essa semana. “Esse é um ato simbólico forte que pune aqueles que excluem a si mesmos da comunidade nacional. Nada mais, nada menos”, disse em uma declaração escrita.
A França adotou a revogação da cidadania pela primeira vez em 1848 para aqueles que se recusavam a aceitar a abolição da escravidão, lembrou Valls.
A mudança constitucional, que vai ser debatida no Parlamento em fevereiro, requer três quintos dos votos dos parlamentares.
Cerca de 50 organizações de direitos humanos e antirracismo lançaram uma petição para rejeitar a medida. Alguns defensores dos direitos humanos consideram que a proposta mira de forma implícita a comunidade muçulmana na França, incluindo nascidos franceses com ascendência no Marrocos, na Tunísia ou Argélia e que tenham duas cidadanias.
Os ataques de Paris foram promovidos pelo grupo Estado Islâmico, em grande parte por extremistas de nacionalidade francesa e belga, alguns dos quais eram descendentes de marroquinos.
A possibilidade de se revogar a cidadania de qualquer cidadão com dupla nacionalidade – não apenas os naturalizados – já existe no Reino Unido, no Canadá e na Holanda. Nos Estados Unidos, uma pessoa pode ter sua nacionalidade revogada por ser um membro do partido Comunista, qualquer outro partido totalitarista ou uma organização terrorista em até cinco anos de sua naturalização. A medida não se aplica a cidadãos nascidos nos EUA. Fonte: Associated Press.