Para entender o que o Kremlin acha da possibilidade de Hillary Clinton se tornar presidente dos Estados Unidos, bastou assistir à cobertura da emissora estatal russa sobre a candidata aceitando a nomeação do partido Democrata. Foi dito aos espectadores que Hillary vê a Rússia como um inimigo e não se pode confiar nela. Enquanto isso, a convenção democrata foi retratada como mais uma prova de que a democracia americana é uma fraude.
No seu discurso de aceitação, Hillary reafirmou o compromisso com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), dizendo que ela estava “orgulhosa de ficar ao lado dos nossos aliados contra qualquer ameaça que eles enfrentarem, inclusive da Rússia”.
Ao dizer isso, Hillary estava implicitamente repreendendo o seu oponente, o candidato republicano Donald Trump, que tem questionado a necessidade de uma aliança ocidental. Ele sugere que, se for eleito, os Estados Unidos poderiam não honrar seus compromissos militares com a Otan, sobretudo em relação às antigas repúblicas soviéticas. Trump também já chegou a elogiar o presidente russo Vladimir Putin, chamando-o de um “líder forte”, mas declarou diversas vezes não ter relacionamento com ele.
Enquanto a posição de Trump sobre a Otan agrada ao Kremlin, a declaração de Hillary claramente foi mal recebida. “Ela mencionou a Rússia apenas uma vez, mas foi o suficiente para ver que a era do reset acabou”, disse o Channel One na reportagem. O canal se referia ao gesto de Hillary de dar um botão de reset simbólico ao ministro das Relações Exteriores russo quando era secretária de Estado em 2009, com a intenção de marcar uma nova era entre Estados Unidos e Rússia.
A convenção democrata, que terminou na sexta-feira de manhã no horário de Moscou, teve ampla cobertura da televisão estatal desde o começo. A TV é a ferramenta mais poderosa do Kremlin para modelar a opinião pública.
O Channel One começou a reportagem apresentando Hillary como “uma política que se coloca acima da lei, que está pronta para ganhar a qualquer custo e para mudar seus princípios de acordo com a situação política”. A âncora completa a descrição dizendo que é assim que os eleitores de Trump veem a candidata democrata – mas essa foi uma nuance que os espectadores poderiam facilmente descartar.
A reportagem chegou a mostrar excertos do discurso de Hillary, mas a câmera insistia em focar num Bernie Sanders carrancudo e seus apoiadores desapontados. Sanders concorreu com Hillary pela candidatura do partido democrata.
O canal Rossiya também mostrou manifestantes anti-Hillary fora da convenção que diziam sentir-se traídos após o vazamento de e-mails que comprovava que Sander foi empurrado para fora da disputa. A Rússia é o principal suspeito de ter invadido os computadores do partido democrata, o que levou à divulgação de e-mails que mostravam a preferência dos membros do partido por Hillary em detrimento de Sanders. Fonte: Associated Press.