O presidente Michel Temer atravessou o mundo para comprar dois produtos que simbolizam a crise da indústria brasileira: sapatos e brinquedos. Em sua primeira viagem internacional, o peemedebista gastou o equivalente a R$ 389 em um par de calçados e R$ 195 em um cachorro eletrônico que fala chinês.
Temer foi às compras no sábado à tarde, depois de se reunir com o secretário-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Roberto Azevedo, e dar entrevista coletiva à imprensa brasileira. O presidente saiu para o que a assessoria do Palácio do Planalto classificou como uma “agenda privada”.
O destino não revelado era uma das principais lojas de departamento de Hangzhou, a cidade que sedia a reunião do G-20, o primeiro grande evento internacional de que o brasileiro participa desde que assumiu a presidência de maneira definitiva, na quarta-feira (31).
A chegada do carro oficial ao local chamou a atenção dos chineses e logo ganhou as redes sociais. Fotos captadas por celulares mostram dezenas de pessoas ao redor do veículo. Nas imagens, Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros, acenam para os curiosos. Os detalhes da passagem do presidente e sua comitiva pelo shopping foram obtidos por um site de notícias ligado a jornais oficiais de Hangzhou. Entre as informações reveladas, estava a de que o presidente do Brasil calça 39.
Temer comprou um par de sapatos de couro da marca Satchi, cuja planta é localizada em Guangdong. A província do sul da China foi o destino de várias fábricas de calçados que deixaram o Rio Grande do Sul nos 90, em um dos principais exemplos de transferência de tecnologia e de empregos do Brasil para a China.
Até então, o país asiático não tinha know-how de produção de sapatos de couro. O Brasil era um dos líderes desse segmento e chegou a ser um dos maiores exportadores do mundo nas décadas de 70 e 80. No início dos anos 90, a indústria nacional estava em crise, abalada pelos planos econômicos do período e a perda de competitividade para os asiáticos.
Diante do cenário adverso, multinacionais fecharam suas plantas no Vale dos Sinos e as transferiram para o sul da China. Centenas de técnicos gaúchos especialistas na produção de calçados se mudaram para Dongguan, a cidade da província de Guangdong que concentra a indústria de calçados e uma das maiores comunidades de brasileiros na China. Alguns deles se tornaram empresários e montaram suas próprias fábricas a quase 20 mil quilômetros de distância do Rio Grande do Sul.
A concorrência com as exportações chinesas atingiu em cheio o principal polo calçadista de São Paulo, em Franca. Dados do Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (Sindifranca) mostram que o número de sapatos exportados pela cidade despencou 79,5% desde 1993. Nesse período, o número de pares vendidos a outros países caiu de 15,6 milhões, em 1993, para 3,1 milhões no ano passado. Só nos últimos três anos, a indústria local demitiu 7,2 mil pessoas, segundo dados da entidade.
A concorrência de brinquedos importados da China foi devastadora para a indústria brasileira do setor, que encolheu de maneira drástica nas últimas décadas. Além de falar chinês, o cachorro eletrônico comprado pelo presidente pode ser movimentado por controle remoto ou celular.
A administração da loja de departamentos foi avisada com uma hora de antecedência de que receberia um visitante importante por volta das 15h30, mas nenhum procedimento especial de segurança foi adotado. Temer ficou 50 minutos no local. Na loja de departamentos, a vendedora Ting Shao se surpreendeu ao saber que havia atendido o presidente do Brasil e pediu para tirar uma foto a seu lado.