Além de precisar investir mais em infraestrutura, os países da América Latina e Caribe precisam melhorar a eficiência na aplicação dos recursos e nos serviços prestados neste setor. A partir da redução de custos excedentes e atrasos, a região poderia construir 35% mais ativos em infraestrutura sem gastar "um centavo" a mais de dinheiro público. A conclusão é do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que divulgou nesta quinta-feira, 30, sua principal publicação anual, voltada em 2020 ao tema da infraestrutura. Em mais de 400 páginas, o BID expõe o cenário atual dos países latinos, aponta problemas e evoluções, e propõe medidas para que as nações melhorem os níveis de qualidade desse segmento.
No contexto em que vários países latinos sofrem com pressões fiscais, incluindo o Brasil, a otimização dos gastos é um dos principais objetivos a serem buscados. "O investimento público na América Latina e Caribe entre 2008 e 2017 foi de 2,3% do PIB por ano, mas dada a ineficiência predominante, esse nível de investimento equivale a investir 1,65% do PIB sem ineficiências. Ou seja, 0,65% do PIB é perdido para ineficiências na produção de ativos de infraestrutura", aponta a instituição.
A ideia central do estudo é mostrar que as nações não podem mais encarar a infraestrutura como um segmento apenas de construção e obras, mas pensar em soluções tecnológicas e estratégicas para que a aplicação dos recursos seja mais eficaz e a população consiga usufruir desses serviços – como abastecimento de água, esgoto, transporte e energia – de maneira satisfatória.
Para o representante do BID no Brasil, Morgan Doyle, o potencial de ganhos da transição de um modelo de infraestrutura pautado em obras para um baseado em serviços é "especialmente grande" no caso brasileiro. "O País tem conquistas importantes, por exemplo, a universalização da eletrificação rural em 20 anos. Mas ainda tem desafios importantes em infraestrutura: 16% da população ainda não tem água encanada, o transporte público é caro demais para uma parcela da população e pouco atrativo para outra. A saída é não só mais investimento, mas investimentos mais qualificado", disse.
Na visão do BID, para gerar mais e melhor investimento em infraestrutura, é preciso ter um setor público mais eficiente, capaz de racionalizar ciclos de projetos e atrair o setor privado. A melhora nesse ambiente depende de fatores como planejamento de longo prazo, rapidez na execução das obras, aplicação de tecnologias, e investimento na manutenção das infraestruturas. Sobre o último, o banco destaca alguns números. Por exemplo, no Brasil, 24% das rodovias asfaltadas estão em más condições. Além disso, o banco observa que a corrupção é um mal comum entre todos os países da região.
O banco afirma que o fortalecimento de marcos institucionais e regulatórios também são importantes para essa evolução da eficiência. Além disso, o BID orienta os países a criarem centros especializados em infraestrutura, a investir na preparação e avaliação dos projetos e a transformar a infraestrutura em sua prioridade máxima.
O estudo é lançado em meio ao debate no Brasil sobre a retomada da economia pós-pandemia mediante investimentos em infraestrutura. O plano de recuperação arquitetado pelo governo federal, o Pró-Brasil, vai justamente nessa linha – e divide opiniões sobre quão relevante deve ser a injeção de recursos públicos no segmento.
Na apresentação do estudo, o presidente do BID, Luis Alberto Moreno, destacou que, embora a maior parte do estudo tenha sido escrita antes da pandemia, seus conteúdos e argumentos são "mais relevantes hoje do que nunca". "Repensar nossa infraestrutura será vital para nos ajudar a superar a crise deflagrada pela covid-19 e estabelecer as bases para uma recuperação sustentada", afirmou.
<b>Prioridades</b>
Apesar da importância da infraestrutura para o desenvolvimento dos países, o BID mostra que a própria percepção da população sobre o tema também é um desafio. Segundo a instituição, o segmento não apenas ocupa uma posição baixa entre as prioridades das pessoas, mas os níveis de satisfação com o estado atual das coisas "são surpreendentemente altos, apesar das deficiências de qualidade".
"Isso significa que os retornos eleitorais das melhorias são limitados, em particular no que se refere aos muitos investimentos de baixa visibilidade necessários", afirma.
A reflexão aponta para realidades vivenciadas pelo Brasil. No debate sobre os serviços de saneamento, que ganhou um novo marco legal recentemente, é frequente a crítica de que políticos deixam de investir no setor porque as obras, como tubulações, ficam "escondidas" e não rendem popularidade. Enquanto isso, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicada neste mês mostrou que, em 2017, quatro em cada dez municípios brasileiros ainda não tinham rede de coleta de esgoto.
A maioria das pessoas sofre com a prestação irregular de serviços, principalmente no abastecimento de água, destaca o BID. "Os serviços de transporte são deficientes no que se refere a conectar as pessoas às suas residências, suas escolas e seus locais de trabalho. E o preço dos serviços de infraestrutura pode representar um pesado fardo financeiro para domicílios de renda baixa e média, acentuando, assim, a desigualdade característica da região", afirma.
Segundo a instituição, ao melhorar os serviços – o que acarreta em prestações mais caras -, é preciso não comprometer a acessibilidade econômica da população mais pobre. O estudo mostra como o custo com infraestrutura pode ser mais relevante em residências de baixa renda. Um exemplo dado é na cidade de São Paulo, em que os gastos em serviços de infraestrutura nos domicílios com renda mais baixa ocupam 10,6% do total, enquanto que nos de renda mais alta essa proporção é de 2,9%.
Por isso, aponta o banco, é preciso aumentar a eficiência não só da prestação dos serviços, como também do uso de recursos públicos. Isso inclui uma análise sobre os subsídios concedidos pelos governos. Segundo o estudo, em 2018, a média dos subsídios para cobrir os custos operacionais dos prestadores de serviços na América Latina e Caribe foi de 0,7% do PIB. No entanto, não está claro "até que ponto" esses subsídios melhoram a capacidade de pagamento dos mais vulneráveis.