Agências da ONU e entidades internacionais lamentaram e criticaram a decisão do governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de se distanciar do Pacto Global de Migração e alertaram que os maiores afetados serão os mais de 3 milhões de brasileiros espalhados pelo mundo, muitos deles em condições de vulnerabilidade.
O anúncio do afastamento do novo governo foi feito no Twitter do futuro chanceler, Ernesto Araújo, no mesmo dia em que o Itamaraty aprovava o acordo, em uma reunião da ONU no Marrocos.
“A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, disse Araujo, chamando o marco de “ferramenta inadequada para lidar com o problema”.
“O Brasil buscará um marco regulatório compatível com a realidade nacional e com o bem-estar de brasileiros e estrangeiros. No caso dos venezuelanos que fogem do regime (de Nicolás) Maduro, continuaremos a acolhê-los”, afirmou. O pacto foi aprovado na segunda-feira, 10, por mais de 160 países na conferência intergovernamental da ONU, em Marrakesh.
“É sempre lamentável quando um Estado se dissocia de um processo multilateral, em especial um (país) tão respeitável de especificidades nacionais”, declarou Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional de Migrações (OIM), ao ser questionado sobre a informação relativa ao Brasil. Segundo ele, apesar da saída de alguns países, 164 governos assinaram o documento. “Esse é um quadro para cooperação”, alertou.
Na avaliação da ONU, “o Pacto reafirma os direitos soberanos dos governos”.
Para entidades, porém, a decisão do Brasil de se afastar do mecanismo terá um impacto para emigrantes nacionais espalhados pelo mundo. “Hoje há muito mais brasileiros vivendo no exterior do que imigrantes aqui no Brasil”, alertou Camila Asano, coordenadora de programas da ONG Conectas.
“São compatriotas que muitas vezes passam por dificuldades seja na Europa, EUA, Japão ou outras partes do mundo. O Pacto Global de Migração consolida e reforça direitos das pessoas, inclusive dos mais de 3 milhões de brasileiros vivendo fora, de não serem discriminadas por serem migrantes”, completou Camila.
Paal Nesse, do Conselho Norueguês de Refugiados, também lamentou a decisão de governos de deixar o esforço e disse não haver indicações de que o acordo mine a soberania de um país. “O Pacto prevê um espaço suficiente para que cada governo possa ter sua política”, indicou o representante de uma das maiores entidades que lidam com refugiados e migrantes. “Não há nada que indique a soberania seria abandonada ou perdida.”
Para ele, a decisão de governos de se distanciar do Pacto “enfraquece o momento político e mina os esforços internacionais para ter a migração organizada de forma mais ordenada”. Como exemplo, ele cita os termos do Pacto que incentivam a cooperação regional. “Vimos na América do Sul, com a crise na Venezuela, como tal medida é necessária”, completou.
Paal Nesse ainda lembra que, no caso brasileiro, o interesse em fazer parte do Pacto seria a defesa de seus próprios migrantes, espalhados pelo mundo. “O Brasil é um exemplo de um país que recebe migrantes. Mas que é também fonte de emigração”, comentou. “Cada governo quer que o seu cidadão seja tratado sem discriminação no exterior e isso exige cooperação”, completou.