O diário venezuelano El Nacional levou nesta sexta-feira, 14, às bancas sua última edição impressa. Último grande jornal crítico ao chavismo se dedicará apenas à sua versão online por não ter mais acesso a papel-jornal, insumo que tem a venda controlada pelo governo da Venezuela, e por ter os recursos severamente restritos pela crise econômica e pela perseguição estatal.
A redação do Nacional está cheia de cadeiras e mesas vazias. Os jornalistas que restaram sofrem com a falta de internet, ocasionalmente cortada pelo governo, e com a incapacidade da empresa de repor as perdas salariais causadas pela inflação.
Um dos últimos reajustes do salário mínimo anunciado pelo governo, em setembro, previa um aumento de 3.600%, subsidiado em parte pelo chavismo. O Nacional não aceitou por temer que o benefício fosse vinculado a uma mudança na linha editorial do jornal. Com isso, todos os salários da empresa foram reduzidos. “Do repórter ao diretor, todos ganham a mesma coisa”, diz o vice-diretor de redação Argenis Martínez. “Todo mundo aqui ganha o salário mínimo. É bem comunista”, ironiza. Na Venezuela de Maduro, o salário mínimo compra apenas 8% da cesta básica mensal.
Ao diário espanhol ABC, o diretor do Nacional, Miguel Henrique Otero, disse que o diário conseguiu uma sobrevida graças à “solidariedade” de outras publicações, que repassavam papel-jornal à empresa. Nos últimos anos, com a crise econômica, a situação se tornou insustentável.
No último mês, o jornal já tinha deixado de circular aos sábados e às segundas-feiras, não encontrava mais anunciantes e já não conseguia pagar salários. “Fomos perseguidos por 15 anos”, disse Otero. “Conseguiram silenciar rádios, TVs e fizeram desaparecer os jornais impressos independentes.”
Ainda de acordo com ele, além de vetar o papel-jornal, o chavismo usou outros meios para intimidar a publicação e seus jornalistas, incluindo a ação de milícias armadas, que diversas vezes agrediram funcionários do Nacional.
Otero lista também como intimidação multas impostas pela Justiça e a pressão do chavismo sobre anunciantes privados, que tinha o objetivo de asfixiar financeiramente a empresa. Com isso, a receita com publicidade caiu. Neste ano, o jornal, que completou 75 anos, tinha uma tiragem que não superava 10 mil exemplares em uma edição que caiu de 72 páginas para apenas 16.
Otero trocou a Venezuela pela Espanha em 2015, pouco depois de ser acusado de difamar o governo. Diosdado Cabello, um dos líderes do chavismo, ameaçou tomar o jornal caso ele não pagasse as multas por “dano moral”, no valor de 10 mil euros.
Desde que Nicolás Maduro assumiu, em 2013, o chavismo ampliou sua estratégia de hegemonia nas comunicações, iniciada no governo Hugo Chávez. Nos primeiros 14 anos, o foco foi ampliar os veículos públicos alinhados ao governo e o cancelar concessões de canais críticos – como a RCTV, em 2007.
Agora, sob o atual presidente, empresários aliados do governo compraram veículos com cobertura independente. Foi o caso do canal Globovisión, comprado por Raúl Gorrín, hoje investigado pela Justiça americana por lavagem de dinheiro, e o tradicional diário El Universal.
A ONG Espaço Público, que trabalha pela liberdade de imprensa, estima que, desde que Maduro assumiu o poder, mais de 50% dos jornais fecharam. Nos últimos dois anos, 52 estações de rádio saíram do ar e canais estrangeiros e correspondentes internacionais foram expulsos do país.
A saída encontrada por muitos jornalistas foi fundar novos veículos online focados em investigação. O site Armando.info foi premiado internacionalmente por denunciar esquemas de corrupção. Seus fundadores, no entanto, tiveram de fugir da Venezuela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.