Internacional

Desertores denunciam Ameaças do chavismo

O casal desceu com cautela um pequeno rochedo que marca a fronteira entre Brasil e Venezuela. Enquanto Adriana Balleri, de 20 anos, carregava no colo Adranelli, de apenas 1 mês, sob o inclemente sol de Roraima, o policial Cesar Marcano levava nas costas Cesar Jesus, de 2 anos. A mais velha, Alexandra, caminhava logo à frente.

O oficial Marcano desertou da guarda municipal de Carúpano, a segunda maior cidade do Estado de Sucre – zona portuária no leste venezuelano. Subordinada a autoridades chavistas municipais, a polícia de Carúpano exige lealdade de seu corpo de oficiais e desconfia de qualquer pedido de baixa ou de férias.

Com um salário mensal de 18 mil bolívares soberanos, o equivalente a R$ 18,24, Marcano não conseguia mais alimentar a família, principalmente os filhos pequenos. Com o soldo, comprava apenas dois quilos de frango para um mês inteiro. “Já não dava para sobreviver. Decidi desertar e tentar a vida no Brasil”, conta.

Ele e a mulher deixaram o Estado de Sucre com as crianças a tiracolo de madrugada, com medo de serem perseguidos. Levaram apenas a roupa do corpo. Na pequena mochila que servia de mala, Marcano carregava só a roupa das crianças.

Às vezes em ônibus, às vezes pedindo carona, passaram pelas cidades de Maturín, Ciudad Guayana e Eldorado até chegar a Santa Elena de Uairén, um trajeto de 944 quilômetros que levou uma semana. Ali, encontraram a fronteira fechada, por determinação do presidente Nicolás Maduro. Então, decidiram caminhar pelas “trochas” – trilhas ao longo da fronteira seca cujo percurso varia entre 40 minutos e 5 horas – para chegar ao Brasil.

Marcano é um dos cerca de 600 desertores que abandonaram as forças militares venezuelanas na última semana, com direção ao Brasil e à Colômbia, depois que a oposição tentou entrar com ajuda humanitária na Venezuela.

Em sua maioria, eles têm baixa patente – em Roraima, todos eram sargentos – e estão insatisfeitos com os baixos salários, a crise, a falta de comida, de remédios e a orientação de seus superiores para reprimir civis. O maior medo de todos é que algo aconteça à família. Ao contrário de Marcano, que era policial e servia na cidade onde morava, muitas vezes os militares e oficiais da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) são deslocados para postos distantes de casa.

Superiores usam pressão psicológica contra as deserções. Muitas vezes, dizem os soldados que romperam com o regime, grupos armados chavistas conhecidos como “coletivos” chegam a rodear as casas de parentes de soldados suspeitos de não serem leais ao regime. Ameaças de prisão e de tortura também são frequentes.

“Eles nos ameaçam de prisão e de tortura, dizem que vão nos levar ao Sebin (sede do serviço secreto venezuelano). Isso já aconteceu com vários amigos nossos”, disse outro sargento, Jose Antonio Moreno Peñaloza. “Os coletivos ameaçam nossas famílias para que não desertemos. Além disso, eles exigem que a gente reprima os civis.”

Para o primeiro sargento Carlos Eduardo Zapata, o moral da tropa está no chão por falta de comida. “Nós, sargentos da Guarda Nacional Bolivariana, estamos dormindo no chão, porque não temos colchão. O salário não dá para nada. Não estamos conseguindo pagar nossas necessidades básicas. Já não temos mais fardas e coturnos. Não temos nem dinheiro para comprar leite para nossos filhos”, afirma. “Temos medo por nossos parentes. Eles ameaçam prender nossos filhos ou matá-los. É assim que atua o governo.”

Os desertores contam ainda que, quando o oficial ascende na carreira, geralmente suas promoções estão vinculadas à lealdade a Maduro. Quando um capitão vira tenente-coronel, conta o sargento Jean Carlos Cesar Parra, é obrigado a fazer um curso de formação chavista. Dali em diante, o oficial só progride com base na lealdade à revolução bolivariana.

Parra revela ainda que os superiores vasculham celulares e Facebook dos praças para ver se estão contra o governo. “O alto comando militar não está preocupado com os problemas dos venezuelanos, porque vários integrantes viraram ministros”, disse. “Eles querem nos usar para trabalhar nas fazendas dos coronéis ou como guarda-costas de seus parentes.”

A aposta da oposição para derrubar Maduro, desde o início das movimentações do líder opositor Juan Guaidó, ainda em janeiro, era provocar uma cisão nas Forças Armadas Bolivarianas. Além do pequeno número de deserções – cerca de 600 em um universo de até 365 mil oficiais -, o fato de a maioria ter patentes baixas dificulta uma pressão política sobre o regime chavista.

A dificuldade em obter deserções de patente alta e média se dá também pelo profundo envolvimento dos militares com a economia formal e informal venezuelana, dizem os desertores. “Eles estão envolvidos com o petróleo, a mineração, a corrupção e o narcotráfico”, afirma o sargento Jorge Luis González Romero, sobre os mais de 2 mil generais das Forças Armadas. “Sempre são nomeados para ministérios e ficam mudando de cargos no governo para seguir ganhando dinheiro.”

Analistas veem pouco resultado na estratégia opositora, que ofereceu anistia a militares que não tenham cometido crimes contra a humanidade. Deserções de baixa patente não são novidade. Só no ano passado, 4,3 mil oficiais desertaram da GNB, segundo a ONG Control Ciudadano. Desde 2015, de acordo com a mesma instituição, 10 mil oficiais pediram baixa das Forças Armadas.

“Ainda que um pequeno grupo de militares de baixa patente esteja desertando, a verdade é que não há indícios de implosão. Maduro ainda dá as cartas”, diz Luis Vicente León, do Instituto Datanálisis. “Os militares têm dois medos: perder o poder e os privilégios sem qualquer garantia de proteção e anistia, e levantar-se contra Maduro, mas a insurreição ser insuficiente para derrubá-lo.”

“Maduro deve anunciar um aumento de soldo ao Exército como incentivo de lealdade”, afirmou a diretora da Control Ciudadano, Rocio San Miguel, ao diário colombiano El Espectador. “As deserções vão continuar, mas a cúpula comprometida com os abusos de Maduro deve seguir apoiando o chavismo. Mas com um plano de fuga, porque ninguém vai se queimar por ele.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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