Desde o começo do ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem demonstrado um profundo interesse pela situação na Venezuela. Seus principais assessores têm apoiado e elaborado estratégias para o líder opositor e autoproclamado presidente interino do país, Juan Guaidó, e tomado todas as medidas possíveis para garantir recursos para a oposição. Para analistas, a preocupação tem relação com sua reeleição, em 2020.
Em fevereiro, em discurso na Florida International University, Trump disse que “o socialismo devastou completamente esse grande país, que até mesmo as maiores reservas de petróleo do mundo não são mais suficientes para manter as luzes acesas”. “Os socialistas fizeram na Venezuela as mesmas coisas que socialistas, comunistas e totalitaristas fizeram em todos os lugares, com resultados catastróficos.”
Em discurso sobre o Estado da União, Trump foi ainda mais enfático: “Renovamos nossa determinação de que a América nunca será um país socialista”. Na ocasião, Trump disse a palavra “socialista” 15 vezes, “socialismo” 20 vezes e “Maduro” apenas 10 vezes. Não é coincidência. Segundo levantamentos do site FiveThirtyEight, nos últimos três meses, Trump adotou o “socialismo” ou os “socialistas” como alvo preferencial: em seus discursos, as referências aumentaram mais de 350%.
A estratégia é tentar colar aos democratas a pecha de “socialistas” ou “comunistas”, um selo detestado pela maioria dos americanos. De acordo com pesquisa do Instituto Gallup, de 2018, apenas 35% dos americanos gostariam de ver os EUA seguir “um caminho mais socialista”.
Entre os latinos, a diferença é maior: apenas 28% têm uma visão positiva do socialismo. Há até uma piada entre acadêmicos sobre essa recente aversão de Trump ao socialismo: toda vez que Trump falar “socialismo venezuelano”, troque por “socialismo democrata”. O resultado será o mesmo.
“É claro que as palavras de Trump são inteiramente sobre o jogo da reeleição”, disse ao Estado Mason Williams, professor de ciências políticas da Universidade Princeton. “Ele chama todos os democratas de socialistas e define o socialismo como o avesso dos valores americanos. É mais do mesmo de sua política focada na divisão.”
Para Trump, abordar a questão venezuelana com virulência é uma oportunidade de abrir uma porta para os eleitores hispânicos em um Estado decisivo para sua reeleição: 17% dos eleitores da Flórida são hispânicos. Dos 14 milhões de eleitores registrados, 36 mil se identificaram como nascidos na Venezuela. Isso em comparação com 340 mil eleitores de origem cubana e 210 mil que disseram ter nascido em Porto Rico.
A batalha pela Flórida, um Estado onde as eleições são muitas vezes vencidas ou perdidas por margens estreitas, deve ser uma das mais renhidas dos últimos anos. Isso porque os democratas também estão de olho nos votos latinos, especialmente da população porto-riquenha. Trump foi criticado pela resposta ao furacão Maria, em 2017, e por milhares de moradores que fugiram da ilha e agora residem – e podem votar – na Flórida.
“Boa parte da estratégia de Trump para a Venezuela parece ter sido focada na campanha para conseguir votos na Flórida”, afirmou Paul Musgrave, especialista em política externa dos EUA da Universidade de Massachusetts. “A começar pela nomeação de Elliott Abrams e Mauricio Claver-Carone.”
Abrams foi um dos principais artífices das intervenções americanas na América Central, nos anos 80 e começo dos 90. Claver-Carone, filho de cubanos, é um dos ideólogos do bloqueio econômico à ilha. São típicos falcões, como são chamados os analistas, acadêmicos e políticos com maior propensão a adotar medidas beligerantes para conseguir o que pretendem.
“Esse tipo de gente é vista com bons olhos pela maioria dos hispânicos da Flórida, que tendem a ter uma visão mais conservadora”, diz Musgrave. Os republicanos têm seguido a mesma toada de Trump, retratando propostas democratas para expandir programas sociais e combater as mudanças climáticas como “políticas socialistas”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.