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Estamos vendo nascer o Tea Party democrata, diz sociólogo americano

As primárias do Partido Democrata terão o maior número de candidatos em 40 anos, com pelo menos 24 nomes confirmados. Entre líderes históricos, como Joe Biden, Elizabeth Warren e Bernie Sanders, há também novatos, como o prefeito Pete Buttigieg e Beto ORourke. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o historiador Geoffrey Kabaservice diz que o número de concorrentes é alto porque há chance real de vitória contra Donald Trump.

O que vai definir as primárias democratas?

A grande novidade é a ascensão de um movimento coeso e forte de uma esquerda mais radical, ligada a políticas identitárias e ao conceito de justiça social. Esse movimento se consolidou, inclusive com a criação de uma espécie de comitê central para fomentar candidaturas de jovens contrários ao establishment do partido.

Foi o caso da eleição de Alexandria Ocasio-Cortez?

Exatamente. AOC (como é chamada nos EUA) se tornou o rosto deste movimento. Mas não se restringe a ela. Grupos como o Democratas pela Justiça e o Nossa Revolução, que são escritórios políticos de eleitores jovens e inspirados por Sanders, reúnem diversos pequenos doadores. Eles querem não apenas candidatos progressistas, mas jovens, com diversidade e oriundos da classe trabalhadora, em vez de políticos típicos.

Como este movimento vai afetar a corrida democrata?

Eles são barulhentos. Sabem usar as redes sociais e defendem políticas públicas que beiram o populismo. Assim como o Tea Party, no Partido Republicano, eles forçarão os candidatos centristas a modular o discurso para agradar esses eleitores radicais. Isso pode afetar o candidato na eleição nacional.

Mas Trump venceu com um discurso agressivo, não?

Claro, mas o discurso agradava à maioria dos eleitores por suas promessas econômicas teve efeito em Estados afetados pela desindustrialização e imigração. No caso dos democratas, há pautas que agradam muitos eleitores, como o combate à desigualdade, mas há temas espinhosos, como aborto, igualdade de gêneros e políticas identitárias. Estamos vendo uma virada à esquerda dos democratas. A dúvida é se esse movimento terá o caráter do Tea Party, com rigidez ideológica e incapacidade de negociar, ou se será pragmático.

É possível um radical vencer?

Não acho que seja o caso. Como republicano, espero que não. Esse discurso tóxico faz mal para a política americana. Esse a vai ser o foco de Trump: o Partido Democrata está tomado por “socialistas” e os americanos precisam repelir o “perigo comunista”.

Pode dar certo?

Acho difícil. Nas eleições de meio de mandato, quase todos os democratas que derrotaram republicanos moderados eram também moderados. Poucos apoiam a agenda socialista de Sanders. E o fato de Biden liderar as pesquisas é sinal de que ele é um nome que ainda une o partido.

Em longo prazo, esse movimento pode ter êxito?

O Tea Party empurrou os republicanos para o populismo e derrubou a antiga liderança do partido, mas não atingiu muitos dos seus objetivos, como a diminuição do Estado e a destruição do Obamacare. A radicalização ocorreu, mas não se consolidou. Tende a acontecer o mesmo no Partido Democrata.

Quem será o candidato democrata?

Se tivesse que apostar, colocaria minhas fichas em Biden ou Elizabeth Warren. Se alguém corre por fora é Kamala Harris, que tem carisma e ótimo discurso. Fora desses, não apostaria em ninguém.

E o embate contra Trump?

Há chance real de um candidato democrata ganhar. Não é à toa que há mais de 20 concorrendo, o maior número da história do partido. Trump não tem boa avaliação e há Estados republicanos mais esparsamente povoados do que os democratas, urbanizados. O domínio conservador nas áreas rurais e nas pequenas cidades ajudou o Partido Republicano a manter sua maioria no Senado, mas os conservadores representam pouco mais de um terço da população – um pouco menos que os 40% que aprovam Trump. Um republicano só pode vencer se ganhar em um número crítico de distritos suburbanos onde vivem os eleitores ricos, com nível universitário e moderados. Esses eleitores – particularmente mulheres – ficaram tão insultados com Trump que se voltaram contra seu partido na eleição de meio de mandato. Isso pode acontecer de novo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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