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Primeira noite de desfiles no Rio foi do inferno ao paraíso

A primeira noite de desfiles do Grupo Especial do Rio teve momentos de genialidade carnavalesca e de tristeza e revolta. Tal qual cantou o Salgueiro, um dos destaques da noite, graças ao enredo original e bem desenvolvido do casal de criadores Marcia e Renato Lage, a Sapucaí foi do inferno ao paraíso. A noite começou com um acidente grave e raro com um carro alegórico do Paraíso do Tuiuti, que imprensou contra a grade do setor 1 pessoas que estavam na pista, deixando 20 feridas, uma delas com risco de amputação de uma das pernas, e terminou com a bela apresentação da Beija-Flor, com sua visão poética do romance entre a índia Iracema e o português Martim Soares.

O insólito acidente foi causado por uma manobra equivocada do motorista do sexto e último carro do Tuiuti, que estava apressado, uma vez que a escola corria contra o tempo para fechar sua apresentação nos 75 minutos regulamentares (esse ano, o tempo de cada agremiação foi encurtado em sete minutos, para dinamizar o espetáculo). Ele entrou torto na avenida, o carro se desgovernou e foi para cima de jornalistas que cobriam o desfile no setor 1 e outros profissionais de serviço. O público do setor 1, por trás das grades, se apavorou, e começou a subir as arquibancadas, com medo de ser ferido.

“Todo mundo ficou gritando, desesperado, achando que o carro ia invadir. Mas o som estava alto e ninguém nos ouvia”, relatou, ainda sob susto e revolta, o estudante Júlio Araújo, de 21 anos. Ato contínuo, o motorista tentou reverter o erro e acabou acelerando na direção do setor 2, machucando também quem estava lá. Já houve casos de carros sem controle na pista, mas, em 33 anos de sambódromo, nunca um acidente deixou feridos como dessa vez.

A fotógrafa Cacau Fernandes, de 48 anos, estava fotografando o carro de frente, e teve uma distensão do ligamento dos ombros. “Eu achei que fosse morrer, não posso descrever a sensação. O pessoal do carro começou a se estapear para ver de quem tinha sido o erro e nós, feridos”, ela contou, por telefone, depois de ter alta do Hospital Miguel Couto, no Leblon. Uma outra jornalista, Lucia Melo, foi operada, e corria o risco de ter a perna esquerda amputada. Um outro ferido, o médico Marcos Antônio Nachef, afirmou que iria buscar na Justiça indenização por seus ferimentos no quadril, esmagado contra a grade.

A Grande Rio entrou na avenida ainda sob o impacto do acidente, mencionado por seu presidente ao microfone, Milton Perácio. A escola homenageou a cantora Ivete Sangalo, que conquistou o público em suas duas aparições: ela saiu com bailarinos já na comissão de frente, que representava de sua infância, na cidade Juazeiro, à glória, como uma das cantoras mais populares do País, e também no último carro alegórico, um símbolo do encontro dela com a Grande Rio. “Foi muita emoção, uma oportunidade única”, disse Ivete, depois do desfile.
“Fui cercada de amor desde o momento em que fui convidada para fazer parte desta escola, e quis sair na comissão para me envolver. A gente ensaiou com muito amor.”

Ivete “levantou poeira” no sambódromo, mas a Grande Rio ficou para trás quando surgiram a Imperatriz, o Salgueiro e a Beija-Flor. A Imperatriz levou o enredo “Xingu, o clamor da festa”, de exaltação à cultura indígena e clamor pela preservação da natureza, e mostrou que era infundado o temor que o setor do agronegócio demonstrou no pré-carnaval – entidades do estado do Mato Grosso se manifestaram contra a escola, alegando que o enredo traria informações que “manchariam a imagem” desta atividade econômica.

Na sequência, desfilou a Vila Isabel, com o enredo “O Som da Cor”. A Azul e Branca cantou a influência dos negros na música das Américas. O belo samba contagiou as arquibancadas, mas a escola pecou em fantasias e alegorias – o acabamento ruim era visível no último carro, em que Martinho da Vila veio de rei.

A apoteose viria com os dois últimos desfiles, o do Salgueiro e o da Beija-Flor. A Vermelha e Branca fez uma apresentação memorável, apoiada no samba, um dos melhores do ano, e na força de seu enredo. “A divina comédia do carnaval” foi baseado na obra de Dante Alighieri e, como prometido em seu hino, tingiu a avenida de vermelho e branco. As cores salgueirenses simbolizavam o inferno, cheio de seres endiabrados e tomados pela luxúria, e o céu, de flores e divindades africanas. Três carnavalescos que integram o olimpo do carnaval carioca, Arlindo Rodrigues, Fernando Pamplona e Joãosinho Trinta, foram representados no último carro, “O orum de todos os deuses”. A plateia da Sapucaí, independentemente da bandeira de preferência, fez ecoar o verso-chave, “essa paixão que encanta o mundo inteiro / só entende quem é Salgueiro”.

A Beija-Flor se esmerou nas fantasias e carros alegóricos, como de costume, e o samba foi cantado em bom som pelos componentes. Os carnavalescos, por conta da crise econômica e do enredo indígena, usaram materiais menos luxuosos do que de costume, como a palha, a cestaria e a madeira, com bom gosto e cuidado nos detalhes – caso das perucas negras usadas por quase todos os componentes fantasiados de índios e das peças de artesanato com referência ao Ceará, a terra de José de Alencar e de sua Iracema. A novidade das alas com fantasias diferentes para os desfilantes, como se fossem tribos, teve efeito visual interessante. O senão foi a repetição de índios e mais índios e animais da floresta. Para quem já havia visto os da Imperatriz e resistia ao cansaço e ao dia claro, ficou repetitivo.

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