Dos 645 municípios paulistas, 256 (40%) não têm delegados titulares. No interior, cada um deles responde por até quatro municípios simultaneamente e convive com a falta de investigadores e escrivães. Na capital, dos 93 distritos policiais, menos de um terço (27) funciona 24 horas por dia – em 2009 todos ficavam abertos -, e grupos de elite especializados reduziram o efetivo. Os dados são do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo (Sindpesp), que afirma que a Polícia Civil, hoje com 26 mil agentes e déficit de 9 mil cargos, passa por um processo de “sucateamento”.
“A Polícia Civil vive uma situação de desmonte. Com um efetivo muito abaixo do mínimo razoável, a qualidade de investigação e de atendimento à população caem. Isso sem considerar que muitas delegacias estão sucateadas, sem condições de trabalho. Com 1,8 mil aposentadorias pedidas para este ano, outras 3,2 mil que serão solicitadas e sem reposição, a tendência é piorar”, disse a delegada Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindesp.
Uma semana após o jornal O Estado de S. Paulo ter questionado a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre os dados, o secretário Mágino Alves se reuniu na quarta-feira, 1º, com representantes do sindicato. E prometeu estudar a possibilidade de contratar os cerca de 2,3 mil policiais que passaram nos concursos e não foram convocados e reajustar os salários no meio do ano.
Raquel está visitando as 70 delegacias seccionais de São Paulo para traçar uma radiografia exata do problema que ela chama de “sucateamento da Polícia Civil”. Há cerca de dez dias, o jornal O Estado de S. Paulo acompanhou a delegada em reuniões nas seccionais de Andradina, Araçatuba e Adamantina, no oeste do Estado. A reportagem também percorreu os DPs subordinados.
Em Guaraçaí, havia apenas um auxiliar administrativo para atender a população. “Se acontecer algum fato grave, eu ligo para o delegado. Ele não está aqui porque dá plantão em Mirandópolis (a 25 km dali)”, explicou o auxiliar. Segundo ele, o escrivão folgava após ter ficado praticamente 24 horas finalizando uma prisão em flagrante, a única investigadora estava de licença-prêmio e o carcereiro escoltava um preso em audiência. “Tínhamos outros dois investigadores, mas ele se aposentaram e não mandaram ninguém”, disse.
Na cidade de Lavínia, a delegacia estava vazia. A reportagem entrou e viu as salas do delegado, de investigadores e escrivães trancadas, bem como a porta que dá acesso à carceragem. Era por volta das 14 horas e ninguém apareceu durante 30 minutos. Em Val Paraíso, a única policial que estava na delegacia informou que o delegado fazia plantão em Guararapes, a cerca de 30 km dali, e os dois investigadores pediram aposentadoria.
Havia apenas um policial na rua, fazendo escolta de preso. Segundo ela, o distrito apresenta muitas ocorrências de tráfico de drogas por causa da penitenciária localizada na cidade.
Segundo Raquel, policiais civis se aposentam, mas o governo não repõe as vagas. “A nossa polícia está envelhecida: 44% dos delegados titulares têm mais de 50 anos e apenas 3% dos policiais civis, menos de 30. É difícil alguém com boa formação jurídica aceitar receber um salário de R$ 10.050.”
Espera. Em Alumínio, o caminhoneiro Richard Alexandre da Costa, de 40 anos, esperou 12 dias pelo registro de uma ocorrência de lesão corporal e danos em que figura como testemunha. O fato, um desentendimento em um pátio de caminhoneiros, aconteceu em 10 de fevereiro e apenas no dia 22 ele conseguiu a cópia do boletim. “Fui na delegacia antes, mas disseram que o documento não estava pronto.” A cidade não tem delegado. A delegacia, que conta com escrivão e investigador, funciona em horário comercial e fecha aos fins de semana.
A delegada responsável por Alumínio, Fernanda Ueda, está em São Roque e atende também Mairinque. Quando a reportagem esteve na delegacia, duas pessoas esperavam para retirar documentos. Além do escrivão, havia duas funcionárias administrativas.
Moradores dizem que a cidade, de 16,8 mil habitantes, é pacata e os casos de violência são raros. “Aqui você dorme com a porta aberta, anda sozinha, faz compras e não acontece nada”, contou Maria Judite de Jesus, de 75 anos.
Responsabilidade fiscal. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública divulgou nota em que informa que 3.688 policiais civis foram contratados desde 2011 e 442 agentes estão em formação na Academia da Polícia. Diz também que foram investidos R$ 241 milhões na compra de 3.641 viaturas. “A reportagem não pode ignorar o fato de o Brasil estar atravessando a pior crise econômica de que se tem notícia. E o Estado deve obedecer aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.” A secretaria não se pronunciou sobre o salário pago. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.