Projeto de regularização fundiária pode ser boiada de Salles, diz entidade

Mais de 100 entidades nacionais assinaram documento divulgado nesta segunda-feira, 25, denunciando um projeto que permite regularização fundiária de imóveis da União sem vistoria. O Projeto de Lei 2.633/20 está em análise na Câmara dos Deputados e, segundo Reginaldo Marcos Aguiar, diretor da Confederação Nacional das Associações de Servidores do Incra (Cnasi), se insere no contexto de "passar a boiada", expressado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a reunião ministerial de 22 de abril. "Nosso temor é que no meio desse PL vá alguma coisa que possa ser enquadrada como a passada de boiada do ministro", disse.

O PL substituiu medida provisória editada em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro que permitia regularizar até 15 módulos fiscais por autodeclaração, ou seja, sem a necessidade de vistoria.

Conforme o documento, elaborado por servidores do Incra e entidades representativas, o projeto traz um "perigoso conjunto de medidas que se aprovadas vão facilitar a legalização da grilagem de terras, piorando enormemente o cenário de deterioração fundiária e ambiental em grandes áreas da União, com sérias e negativas consequências sociais para o Brasil".

De acordo com as entidades, "é inaceitável a apresentação deste projeto de lei quando a prioridade são as políticas públicas de saúde, providências sanitárias e de proteção econômica e social num cenário de excepcionalidade, provocado pela pandemia de Covid-19".

Na avaliação delas, caso seja aprovado, o PL 2.633 poderá provocar a expansão da pandemia em regiões da Amazônia, em razão do aumento do desmatamento e do assédio a territórios de povos e comunidades tradicionais, "como já vem se verificando nos últimos meses".

Segundo o documento, sob o pretexto de regularização fundiária está explícito o interesse de descumprir normas, prevendo até a autodeclaração de ocupantes irregulares. "Além de não beneficiar os pequenos produtores, a nova legislação prejudica o Estado e toda a sociedade ao possibilitar a venda de milhões de hectares de terras públicas a preços bem abaixo do mercado", diz a nota.

As entidades destacam ainda que as políticas públicas para enfrentar a desigualdade e os conflitos no campo são a reforma agrária, a criação de unidades de conservação e o reconhecimento de terras indígenas e territórios quilombolas; a titulação dos posseiros propriamente ditos; a reversão de grandes áreas públicas ocupadas ilegalmente. No documento, consideram inaceitável a tramitação de leis de tão grande impacto sem debates prévios e democráticos, "sem que se considerem as questões técnicas, jurídicas e sociais envolvidas".

Para Aguiar, o PL está associado com a ideia da boiada do ministro do Meio Ambiente. Na reunião ministerial do dia 22, que teve o vídeo divulgado por ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, Salles defendeu mudar regras enquanto a imprensa se concentra na covid-19.

O ministro disse que considerava o momento uma oportunidade para modificar normas que podem ser questionadas na Justiça, sugerindo fazer uma "baciada" de alterações e "passar a boiada".

Para o representante dos servidores do Incra, "possivelmente eles querem engavetar qualquer ação que possa prejudicar os ruralistas e, consequentemente, quem destrói o meio ambiente. Nosso temor é que no meio desse PL vá uma emenda, alguma coisa que possa ser enquadrada como a passada de boiada do ministro. Esse projeto de lei pode servir de cavalo para levar alguma coisa que possa facilitar a vida dessa galera que destrói o meio ambiente e faz grilagem de terras".

A reportagem entrou em contato com o Incra e com o Ministério do Meio Ambiente, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

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