Na tarde desta sexta-feira, 22, em Nova York, a Universidade de São Paulo (USP) assinou parceria com as Organizações das Nações Unidas (ONU) para sediar o primeiro escritório regional do Programa Cidades, do Pacto Global – acordo humanitário entre empresas, organizações da sociedade civil e demais instituições de todo o mundo coordenado pela própria ONU.
Como principal premissa do acordo, a USP será a representante do programa na América Latina e coordenará as ações voltadas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem ser alcançados até 2030 na região. Esse é um passo importante para o Brasil poder se tornar um dos países mais engajados no cumprimento da Agenda 2030.
O reitor da USP, Marco Antonio Zago, e a professora Patricia Iglecias representaram a instituição de ensino em Nova York, onde a ONU realizou no começo da semana sua 72ª Assembleia Geral. O escritório, que terá como prioridade os assuntos relacionados ao desenvolvimento sustentável, será inaugurado em outubro no prédio do Centro de Difusão Internacional (CDI), na Cidade Universitária.
“A ideia é que a USP possa contribuir com municípios e Estados deficientes de estrutura e corpo técnico adequado, dando conhecimento científico para que consigam, de fato, apresentar planos e colocar em prática essas ações”, diz Patricia Iglecias, ex-secretária do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Patricia é professora de direito ambiental no Largo São Francisco e superintendente dos projetos de gestão ambiental da USP.
Segundo ela, os ODS ainda são pouco explorados no Brasil e por enquanto não causaram impacto nas políticas públicas. “A teoria já está aí, no que consiste cada um dos princípios e objetivos, tudo isso está no papel. O que precisamos é colocar na prática”, afirma. Para a professora, a agenda dos ODS veio e realmente foi divulgada para os municípios e Estados, mas de uma forma apenas teórica, sem dizer claramente que tipos de projeto poderiam ser feitos em cada tema.
Gênese do projeto
Desde o lançamento da Agenda 2030, em 2015, os 17 ODS vêm pautando governos e instituições para cumprir metas humanitárias na tentativa de diminuir a pobreza, fome e o impacto da sociedade na gestão dos recursos naturais. O Pacto Global, com sede brasileira na cidade de Curitiba, chegou a realizar programas com os governos do Paraná e Rio Grande do Sul, mas, segundo Patricia, a burocracia e os interesses políticos acabam conflitando com a implementação de planos e políticas públicas. “Os governos mudam, tem a questão da periodicidade dos mandatos e dos partidos de oposição. Mudam-se os planos e as políticas que estão sendo aplicadas”, diz a pesquisadora.
Para ela, a universidade como centro de pesquisas e principal meio de auxílio técnico é o melhor formato de desenvolvimento da agenda. “Com toda a referência em pesquisa que temos, entendemos que o aspecto cientifico não deve ficar para dentro da universidade, mas ser trabalhado junto à sociedade, com os governos, ONGs e setor privado”, diz Patricia. “Quando vimos a possibilidade de trazer o escritório ao Brasil, vislumbramos a possibilidade de tornar a agenda mais palpável”, afirma.
Patricia conta que as primeiras conversas começaram em fevereiro, na Austrália. Ela visitava o país para uma pesquisa sobre gestão de resíduos sólidos. Em meio aos estudos, teve a oportunidade de conhecer o escritório do Secretariado Internacional do Programa Cidades, do Pacto Global, na universidade Royal Melbourne Institute Technology (RMIT), em Melbourne. “Eles se interessaram em desenvolver um trabalho conjunto. A ideia da ONU nessa agenda 2030 é ter os poderes público e privado e a academia trabalhando juntos. E fazer isso a partir da academia, com aspecto científico, mais neutro, fica mais fácil unir esses focos de interesse”, explica.
Do lado da ONU, o interesse em ter a USP como vetor da América Latina ocorreu pela eficiência e influência em pesquisas. “É uma excelente universidade que tem os mesmos valores que nós. O projeto de ter alunos e professores engajados a desenvolver projetos para ajudar municípios e Estados nos chamou atenção. É uma combinação perfeita”, diz Elizabeth Ryan, diretora do Programa Cidades do Pacto Global das Nações Unidas, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Elizabeth diz que espera que, com essa experiência, outras universidades pelo mundo possam adotar escritórios e realizar trabalhos semelhantes.
Para a diretora, as universidades são importantes atores para ajudar o mundo a realizar os 17 ODS por causa de sua neutralidade e independência de seus acadêmicos, que têm conhecimento profundo e capacidade para colocar as metas em prática. A pesquisadora diz que os pesquisadores do RMIT, única experiência mais próxima do escritório que a USP sediará, já desenvolveram pesquisas altamente empíricas que ajudaram Melbourne a se tornar uma das cidades-modelo em políticas públicas, pautadas pelos ODS.
Pesquisa
A previsão é de que o escritório regional da ONU no Centro de Difusão Internacional, da USP, seja o grande catalisador que reunirá a pesquisa científica sobre os temas humanitários da ONU na América Latina. A ideia é que municípios e Estados levem ao escritório suas demandas e problemas que as pesquisas podem ajudar a resolver. Programas de pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado terão parceria com agências de fomento e haverá intenso intercâmbio de pesquisadores dos países do continente.
A Fapesp, instituição de apoio à pesquisa ligada ao governo do Estado de São Paulo, deve ser umas das parceiras do escritório. Editais específicos para áreas de interesse regional, a fim de ajudar a desenvolver políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento sustentável do Estado, devem ser abertos depois que o escritório estiver em pleno funcionamento a partir de outubro.
O projeto prevê também o estabelecimento de sub-escritórios regionais em regiões estratégicas no Brasil e em outros países. “Vamos aproveitar trabalhos que já estão sendo feitos pela ONU em outros pontos, ligar todas essas ações e replicá-las quando derem certo”, diz Patricia.
A pesquisadora afirma que, antes, tudo era feito de forma separada. Agora o escritório coordenará essas ações e criará um canal de comunicação entre todas elas. “Sem todo esse processo, não conseguiríamos tocar o projeto somente da Cidade Universitária”, diz.