“Você me deu os dois, por que agora me tira um?”. Esses eram os gritos que se ouviam de uma mãe no cemitério de Janaúba, onde Ana Clara Ferreira Silva, de 4 anos, foi enterrada na manhã de sexta-feira (6). Com as mãos coladas ao caixão da filha, a desempregada Luana Ferreira de Jesus só conseguia chorar e pedir: “Por favor, não levem minha filha embora!”. Ao lado dela, o marido chorava em silêncio.
Desde que era feto, Ana Clara teve a companhia do irmão gêmeo Victor Hugo. Na quinta-feira do ataque à creche Gente Inocente, no entanto, os dois não estavam juntos. Com sintomas de conjuntivite, o menino tinha ficado em casa, onde recebeu a notícia da morte da irmã, carbonizada. “Poderia ter acontecido com os dois”, disse o avô materno Antônio Ferreira, de 55 anos.
Com Ana Clara, o casal de desempregados tem, ao todo, seis filhos. Dois deles, um de 3 e outro de 6 anos, também estavam na unidade na hora em que o vigilante surpreendeu crianças e professores e ateou fogo no lugar. Ambos inalaram fumaça e precisaram ser internados por intoxicação na Santa Casa de Montes Claros, mas o quadro é estável, segundo parentes.
“A gente fica sem chão, pede a Deus que não aconteça, mas chega uma hora que tem de desapegar também e seguir a vida”, disse o avô. “Ana Clara era uma menina excelente: divertida, brincalhona, inteligente. Foi a única que não deu trabalho para ir para a escola.”
Com queimaduras no rosto e espalhadas pelo corpo, a menina foi velada em casa, que fica em uma área de terra batida, a poucos metros de distância da creche. De lá, o corpo da criança seguiu em cortejo, sendo acompanhado por um ônibus escolar com mais de 30 pessoas.
Segundo familiares, Victor Hugo, que não foi ao cemitério, manteve-se quieto, sem falar, ao lado do caixão. “Ele só ficou quietinho, sem sair do lugar”, disse o avô paterno Jovecino da Silva, de 51 anos.
Sorrindo. Também perto da creche, mora Jelikele Soares, de 29 anos, mãe de Ruan Miguel Soares Silva, de 4 anos, um dos que nem sequer conseguiram ser socorridos. “Reconheci meu filho pelos dentes. Ele era muito feliz, morreu sorrindo”, disse a mãe, aos prantos.
O menino era conhecido na vizinhança por sempre estar brincando na rua, onde gostava de jogar futebol e andar de bicicleta. Para dormir, fazia o ombro direito de Jelikele como travesseiro. “Ele só conseguia dormir comigo, abraçado.”
Ao saber do ataque, a mãe correu até a escola, mas não teve notícias e foi barrada pelo cerco policial que já havia se formado. “Me desesperei”, afirmou. “Se o homem quisesse morrer, que morresse. Mas que deixasse os bichinhos em paz.” Ruan Miguel era filho único de Jelikele. A mãe agora decidiu presentear com uma foto dele todas as pessoas que vão vê-la. “Não quero olhar para os cantos da casa e ficar lembrando.”