“Passei pela Artur de Azevedo ontem e já tem três lugares anunciando latte servido no avocado (mentira, porém plausível)”, escreveu o professor de inglês Clayton Kirchinak, de 31 anos, no Twitter. “Quantos meses até a gente poder tomar um desses na Rua Artur de Azevedo?”, emendou o paulistano, que mora há dois anos nas proximidades da via, um dos novos recantos dos “moderninhos” em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Verdade seja dita: a moda do “latte no avocado” (ou “avolatte”, café com leite no abacate) não chegou à Artur de Azevedo, ao menos por enquanto, mas a brincadeira permanece no círculo de amizades do professor, assim como o hambúrguer com pão de macarrão instantâneo. “Já é realidade no Brooklyn (região moderninha de Nova York) – que meus amigos chamam brincando de Pinheiros nova-iorquina”, comenta Kirchinak.
A comparação entre as duas regiões é constante também entre comerciantes que se estabeleceram na via nos últimos anos. Um dos três sócios da marca Oriba, o relações públicas Rodrigo Otani, de 31 anos, compara o entorno à Williamsburg, em Nova York, e ao Soho, em Londres. “Aqui não tem tanta rede, e acho que nunca vai vir. Não acredito que o público daqui é receptivo a um McDonalds ou a uma Starbucks”, arrisca.
A loja da Oriba é focada em roupas básicas masculinas com materiais de “qualidade e preço justo” – as camisetas custam a partir de R$ 68. “Acredito que Pinheiros está mais na frente para aceitar marcas com ideias e novos modelos de negócios, de consumo”, diz. Ele é defensor de um “capitalismo consciente”, que não quer apenas “vender, vender, vender”, mas promover um menor número de compras com mais durabilidade – proposta parecida à de outros comércios da rua.
Entre os dez estabelecimentos da região ouvidos pela reportagem, todos já pretendiam se fixar em Pinheiros, embora parte tivesse experiências anteriores na Vila Madalena ou cogitado também Santa Cecília – outras duas referências “descoladas” da cidade. A maioria se concentra em dois pontos distintos da Rua Artur de Azevedo, separadas por sete quadras – uma próxima à Rua João Moura e, outra, à Rua Mateus Grou, que também reúnem espaços com proposta semelhante.
“O que aconteceu ali foi um boom de novos empreendedores que trabalham com produção nacional. Antes esse quarteirão era cheio de atacados de roupa”, compara Raquel Ferraz, de 35 anos, uma das sócias da Yes I AM Jeans, marca que compartilha uma loja na rua com a Insecta Shoes, de calçados veganos. Para ela, um dos novos desafios é passar a abrir aos domingos – o que grande parte não faz.
De tudo um pouco. Em comum, os espaços não têm um foco único. “Todo mundo fica confuso quando a gente vai explicar. São coisas que a gente gosta. Café, receber pessoas, arte, design, moda”, diz Daniel Vasco, de 41 anos, um dos sócios do Bang Bang, misto de estúdio de design, loja de decoração, galeria de arte, espaço de eventos, cafeteria e bar.
Além dos novos estabelecimentos, o perfil multiuso também influencia locais mais antigos, como a Ciclo das Vinhas, criada há dez anos e que trocou uma sede no Paraíso, na zona sul, para um espaço maior na Artur de Azevedo em janeiro. No novo local, a prateleira de livros para vender se tornou uma livraria, além do espaço de café e bar de vinhos que também cresceu. “É um bairro muito pedestre. Tem muito curioso, que passa na frente, entra para ver o que é, mesmo não tendo uma relação tão próxima com o vinho”, comenta a empresária Alexandra Corvo, de 42 anos.
Público. A maioria dos comerciantes moderninhos está na faixa dos 30 e 40 anos, tem formação superior e deixou a carreira para “empreender no que ama”. É o caso, por exemplo, de Marina Reis, de 31 anos, e Beatriz Setubal, de 32, ex-colegas de Cinema que abriram a loja de doces e cafeteria Big Bang Candy Store em junho de 2016.
Dentre as guloseimas preparadas pela marca está o polêmico “Bacon Supernova”, um caramelo crocante com bacon, com “fãs muito fiéis”, mas que também desperta a desconfiança de alguns frequentadores. Dentro da proposta de doces diferenciados, as sócias realizam o “Programa de Cobaias Intergalácticas”, no qual clientes selecionados avaliam produtos que ainda não estão à venda. “Nosso público é de gente que procura coisas mais pessoais, que não são de uma franquia com loja em shopping”, diz Beatriz.
Esse público diferenciado chegou também a espaços já tradicionais do bairro, como o Eric Discos, inaugurado no início dos anos 1980. “Nossos clientes dos anos 90 não vêm mais”, comenta Cristovão Souza, de 54 anos, gerente do sebo de vinis há 22 anos.
Também é frequente a ideia de zelar pela permanência dos clientes. A sorveteria Frida & Mina, por exemplo, colocou iluminação e bancos na calçada. “O espaço faz a gente se sentir bem. São Paulo geralmente não é tão convidativa para a rua”, conta a antropóloga Ananda King, de 36 anos, que estava no local por indicação de um amigo.