O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, por 10 votos a 1, que cabe ao Poder Judiciário aplicar medidas cautelares a parlamentares. O STF também decidiu, por 6 votos a 5, que a decisão do Judiciário deverá ser encaminhada ao Legislativo para análise “sempre que a medida cautelar impossibilitar direta ou indiretamente o exercício regular do mandato legislativo”. O julgamento vale também em relação a medidas determinadas contra vereadores e deputados estaduais. O julgamento iniciado às 9h, com três intervalos, foi concluído às 22h.
O caso tem repercussão direta na situação do senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB que está afastado do mandato por decisão da 1ª Turma do STF desde 26 de setembro. A partir de agora, os senadores poderão votar se derrubam ou mantêm a decisão da Corte. O resultado do julgamento era aguardado com expectativa no Legislativo, não só para o desfecho da situação de Aécio, como para casos futuros.
“Cada poder arcará com o ônus de sua decisão perante a sociedade”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski, um dos que votaram para que o Congresso decida sobre a execução de medidas impostas pelo Supremo.
A ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, deu o voto de desempate, acompanhando os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Os ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Celso de Mello e Luiz Fux acompanharam o voto do relator, Edson Fachin, que defendia que o eventual afastamento de um parlamentar não precisaria passar pelo crivo do Congresso para ser colocado em prática.
“Todos os Poderes atuam livre e igualmente, cada um no exercício autônomo de suas competências, e é desta harmonia que nós podemos então ter esta condição de democracia. Qualquer interpretação que conduza a uma conclusão no sentido de que um dos Poderes possa atuar desconhecendo a atuação legítima do outro, ou deixe de cumprir aquilo que foi determinado, é uma interpretação equivocada”, disse Cármen.
Após o voto de Cármen Lúcia, iniciou-se um amplo debate em que ministros ajustaram o voto para poderem chegar a um entendimento mais claro. Neste momento, a ministra Cármen Lúcia recuou da proposição que havia feito, de que apenas o afastamento deveria passar pelo crivo dos parlamentares. Prevaleceu a proposta de Alexandre de Moraes de que tanto o afastamento quanto outras medidas que afetassem direta ou indiretamente o exercício do mandato a parlamentares poderiam ser encaminhadas para a análise do Poder Legislativo.
Pelo que foi decidido, o Judiciário só deve encaminhar o caso ao Congresso se compreender que há uma impossibilidade direta ou indireta de exercer o mandato. Mas os ministros não especificaram quais são exatamente as medidas que devem ser analisadas.
Para Alexandre de Moraes, que foi o primeiro a divergir do relator Edson Fachin e será o relator do acórdão, medidas como o recolhimento domiciliar noturno, entrega de passaporte e proibição de contatar investigados trazem limitação na atividade parlamentar e deveriam ser analisadas no Congresso. Essas são algumas das restrições impostas a Aécio Neves.
Visões. A sessão expôs três correntes dentro do Supremo. De um lado, o relator Edson Fachin propôs a rejeição por completo da ação direta de inconstitucionalidade que pediu à Corte a possibilidade de o Congresso revisar o afastamento. Fachin foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello, decano da Corte.
Dias Toffoli foi o primeiro ministro a propor a possibilidade de aplicação de cautelares, com possibilidade de nova análise no Congresso, uma espécie de “voto médio”. Os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que inicialmente foram contra a aplicação de cautelares sob qualquer hipótese, evoluíram para um entendimento semelhante ao de Toffoli de que, uma vez aplicadas, elas devem ser revisadas. Cármen Lúcia se somou a eles no final, votando pela possibilidade de o STF aplicar as medidas, e o Congresso rever o afastamento.
“O Supremo Tribunal Federal não pode atuar como fomentador de tensões constitucionais”, disse Toffoli. Lewandowski sugeriu que só cautelares que determinem afastamento de mandato sejam submetidas ao Congresso, enquanto as demais não precisariam do aval dos parlamentares.
A compreensão de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello era a de que a Corte não poderia aplicar cautelares a parlamentares. “A Constituição é clara quando não permite prisões preventivas, cautelares, em relação a parlamentares. A finalidade da norma é dizer parlamentares não podem ser afastados antes do trânsito em julgado. A Constituição protege o integral exercício do mandato parlamentar”, afirmou Moraes. Com o andamento da discussão, apenas Mello se manteve radical no sentido de que não é possível aplicar medida cautelar a parlamentar.
“Ofensa”. Para Fachin, que terminou vencido, a revisão desse tipo de decisão judicial no Congresso representa uma ofensa à independência do Judiciário. Fachin determinou em maio o afastamento e o recolhimento domiciliar de Aécio, mas teve a decisão derrubada pelo ministro Marco Aurélio Mello. Em setembro, a 1ª Turma da Corte restabeleceu a decisão de Fachin. Segundo o ministro, a Constituição “nem de longe confere ao Poder Legislativo o poder de revisar juízos técnico-jurídicos emanados do Poder Judiciário”. Segundo Fachin, é permitido ao Poder Legislativo “apenas o poder de relaxar a prisão em flagrante, forte num juízo político”.
Luís Roberto Barroso defendeu a decisão da 1ª Turma da Corte, da qual faz parte, e disse que não há “uma gota” de ativismo judicial na determinação. “O afastamento de um parlamentar não é uma medida banal, é excepcionalíssima. Como excepcionalíssimo deve ser o fato de um parlamentar usar o cargo para praticar crimes. Portanto exceção contrabalançada com exceção”, disse. “A ideia de que o Judiciário não possa exercer seu poder cautelar para impedir um crime que está em curso é a negação do Estado de Direito, significa dizer que o crime é permitido para certas pessoas. Eu não gostaria de viver num país que fosse assim”, completou Barroso. Ele defendeu que o Código de Processo Penal prevê a suspensão do exercício de função pública quando há justo receio de utilização para a prática de crimes.
Para Celso de Mello, a mera possibilidade de o Supremo reconhecer como viável o controle político de suas decisões pelo Legislativo seria fator de degradação da independência do Judiciário e desrespeito ao princípio da separação dos Poderes. “As decisões do Supremo não estão sujeitas a revisão, nem dependem para sua eficácia de ratificação ou ulterior confirmação por qualquer das casas do Congresso Nacional, porque não assiste ao Parlamento a condição de instância arbitral de revisões da Corte”, afirmou o ministro. Ele afirmou que eventual descumprimento pelo Congresso das decisões do Supremo configuraria “gravíssimo comportamento transgressor” da autoridade da supremacia da Constituição.
“Hoje mais do que nunca é preciso proclamar que o direito ao governo honesto constitui uma prerrogativa insuprimível, inalienável, da cidadania. Nenhum cidadão da República pode ser constrangido a viver em uma comunidade moralmente corrompida. Aqueles que são investidos por eleição, ou investidos por nomeação em mandatos eletivos ou em cargos incumbidos de desempenhar a alta missão de reger os destinos do Estado, hão de manter estrito respeito e total obediência aos postulados da probidade pessoal e da moralidade administrativa”, disse Celso de Mello.
Durante as discussões, Gilmar Mendes criticou a decisão da 1ª Turma que afastou Aécio. “Veja a ousadia, a arbitrariedade: retirar um senador da bancada de um Estado”, disse o ministro. Segundo ele, que afirmou que a Corte tem produzido “decisões aberrantes em série”, o afastamento de um senador do cargo é o “direito achado na rua, de forma irresponsável”. “Cada vez mais temos que repudiar o direito constitucional da malandragem, que permite que a mesma norma sirva para uma e para outra situações diferentes”, disse Gilmar.