O Conselho dos Comandantes-gerais das Polícias e Corpo de Bombeiros Militares do País orientou ontem, por meio de portaria, que eles passem a investigar os casos de tortura, abuso de autoridade, lavagem de dinheiro, estupro de vulnerável e outros crimes não previstos no Código Penal Militar quando praticados pelos militares contra civis. A portaria é assinada pelo presidente do conselho, o coronel Marco Antônio Nunes de Oliveira, que comanda a PM do Distrito Federal.
Além do DF, a PM de Santa Catarina deve seguir a orientação. Até agora, esses crimes eram investigados pela Polícia Civil e julgados pela Justiça comum. Juízes militares de São Paulo, Minas e do Rio Grande do Sul também defenderam a análise desses delitos por eles.
Tudo por causa da lei que alterou o Código de Penal Militar (CPM), sancionada pelo presidente Michel Temer na semana passada. O novo texto permite o julgamento pelas auditorias militares de integrantes das Forças Armadas acusados de matar civis durante missões e também mudou a definição de crime militar. Isso promete, dizem especialistas, criar disputas judiciais e levar à prescrição de crimes e ao aumento da impunidade.
A mudança ampliou o conceito de crime militar. Atualmente, dezenas de crimes não previstos na CPM, de 1969, são julgados pela Justiça comum, como a tortura, tornada crime em 1997. “A alteração diz que, além dos crimes previstos no CPM, são militares os delitos previstos em outras legislações, daí porque a Justiça Militar passa a ser competente para examiná-los”, diz o juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria militar paulista. O entendimento de Roth é o mesmo da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais.
Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivana David discorda. Para ela, a exposição de motivos da lei mostra que a mudança era endereçada só a militares das Forças Armadas, não atingindo assim os estaduais. Também entende assim o criminalista Martim Sampaio, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. “Estão tentando forçar a interpretação para abranger mais coisas.”
O comando da PM de São Paulo informou que requisitou à sua consultoria jurídica um parecer para definir como a corporação vai se comportar.
Mas, se há discordância sobre o alcance da lei, todos concordam que a alteração pode levar a uma enxurrada de recursos em que réus e promotores vão discutir qual Justiça – comum ou militar – é competente para analisar os casos. A demora na definição – até o Supremo Tribunal Federal se manifestar – pode levar à prescrição de crimes. “Há casos em que é vantagem para o réu ser julgado na Justiça comum, pois a pena é menor, como o abuso de autoridade. Quem define a competência é o juiz”, diz Ivana.
Segundo Roth, há cerca de 400 processos em andamento na Justiça comum que podem ir para a Militar. “Processos podem ser procrastinados até a prescrição, como estratégia de defesa”, afirma Sampaio.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.