Em uma decisão marcada por críticas aos poderes do Ministério Público Federal em relação a acordos de colaboração premiada, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu à Procuradoria-Geral da República (PGR), para readequação, o acordo de colaboração premiada firmado entre o órgão – ainda na gestão de Rodrigo Janot – e o marqueteiro Renato Pereira, que narrou fatos que comprometem a cúpula do PMDB do Rio de Janeiro, incluindo Sérgio Cabral, Eduardo Paes e de Luiz Fernando Pezão.
Registrando que não haveria condições de homologar “por ora” o acordo, o ministro alegou que precisam ser revistas cláusulas que tratam da fixação da pena pela PGR, da autorização concedida ao delator de fazer viagens internacionais, do valor da multa fixado em R$ 1,5 milhão pela PGR e da suspensão do prazo de prescrição. Se a procuradora-geral Raquel Dodge não rever o acordo, a delação não ganhará validade judicial.
Um dos ministros que têm criticado nos julgamentos do STF a forma como são concedidos os acordos de colaboração premiada, sobretudo no caso J&F, Ricardo Lewandowski, com esta decisão, buscou estabelecer limites em relação ao que o Ministério Público Federal pode conceder aos delatores, questionando amplamente o acordo firmado e apresentado ao STF no fim do mandato de Rodrigo Janot como procurador-geral.
O acordo firmado entre Renato Pereira e o MPF fixou inicialmente uma pena de quatro anos de reclusão para o marqueteiro e o perdão judicial de todos os crimes, exceto aqueles relacionados à campanha de Pezão ao governo do Rio de Janeiro em 2014.
Pelo acordo, o marqueteiro cumpriria recolhimento domiciliar pelo prazo de um ano, com a possibilidade de realizar viagens nacionais e internacionais a trabalho “mediante prévia autorização do juízo competente”. Renato Pereira também deveria prestar serviços à comunidade em entidade filantrópica pelo prazo de três anos e pagar multa de R$ 1,5 milhão a título de multa penal e reparação de danos.
“Inicialmente observo que não é lícito às partes contratantes fixar em substituição ao Poder Judiciário e de forma antecipada a pena privativa de liberdade e o perdão de crimes ao colaborador. O Poder Judiciário detém, por força de disposição constitucional, o monopólio da jurisdição, sendo certo que somente por meio da sentença penal condenatória proferida por magistrado competente afigura-se possível fixar ou perdoar penas privativas de liberdade relativamente a qualquer jurisdicionado”, afirmou Lewandowski.
“Validar tal aspecto do acordo corresponderia a permitir ao Ministério Público atuar como legislador. Em outras palavras, seria permitir que o órgão acusador pudesse estabelecer, antecipadamente, ao acusado sanções criminais não previstas em nosso ordenamento jurídico”, ponderou o ministro.
Renato Parente apresentou no acordo de delação informações sobre irregularidades em uma série de campanhas eleitorais: de Sérgio Cabral ao Governo do Rio de Janeiro em 2010, de Eduardo Paes à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2012, de Pezão ao Governo do Rio de Janeiro em 2014, de Pedro Paulo à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016, de Rodrigo Neves à Prefeitura de Niterói em 2012 e 2016 e da senadora Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo em 2016. O motivo da delação estar no STF é a senadora Marta Suplicy.
Além de campanhas eleitorais, a delação de Renato Parente traz informações sobre supostas irregularidades relacionadas a licitações de obras estaduais e municipais no Rio de Janeiro e o pagamentos de vantagens a agentes públicos. O delator também narra fatos em relação ao Banco Opportunity, em um tópico, e à FIESP, em outro, intitulado “FIESP: Pré-campanha ao governo do Estado de São Paulo (2018)/Paulo Skaf”.
Viagens
A possibilidade de Renato Pereira fazer viagens internacionais e a fixação de multa de R$ 1,5 milhão também foram questionadas por Lewandowski.
“No que se refere à autorização para viagens internacionais, noto que incumbe exclusivamente ao magistrado responsável pelo caso avaliar, consoante o seu prudente arbítrio, e diante da realidade dos autos, se deve ou não autorizar a saída do investigado do Brasil. Aliás, como o regime de cumprimento de pena, acordado entre as partes, corresponde ao fechado, segundo visto acima, se válida fosse a respectiva cláusula, a permissão para a saída do investigado do estabelecimento prisional somente poderia ocorrer em caso de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão ou, ainda, de necessidade de tratamento médico, conforme estabelece o art. 120 da Lei de Execução Penal”, ressaltou o ministro.
“Quanto à fixação de multa, consigno que às partes é apenas lícito sugerir valor que a princípio lhes pareça adequado para reparação das ofensas impetradas, competindo exclusivamente ao magistrado responsável pela condução do feito apreciar se o montante estimado é suficiente para a indenização dos danos causados pela infração, considerados os prejuízos sofridos pelo ofendido”, observou Lewandowski.
Sigilo caído
Mostrando irritação com o que chamou de “vazamentos ilícitos”, o ministro Ricardo Lewandowski também resolveu tirar o sigilo dos termos e dos conteúdos do acordo de delação, mesmo sem ter homologado. Em outra decisão, ele ordenou que a Polícia Federal investigue a divulgação de trechos sigilosos do acordo de colaboração premiada. O jornal O Globo revelou com exclusividade a maior parte da delação do marqueteiro.
“Considerando que grande parte do que se contém neste feito, embora tramite em segredo de justiça, foi objeto de vazamentos ilícitos, determino que se oficie ao diretor-geral da PF, Dr. Fernando Segóvia, a fim de que sejam apurados no prazo de 60 dias as condutas em apreço”, disse Ricardo Lewandowski, em decisão que foi tomada antes de o ministro determinar a retirada do sigilo dessa delação.
Ao informar a retirada de sigilo do acordo, Lewandowski deixou aberta a possibilidade de tramitar em segredo de Justiça eventuais inquéritos que poderão ser abertos se e quando o acordo for, de fato, homologado.