O presidente Jair Bolsonaro editou mais decretos ambientais em dois anos de governo do que todos os antecessores nas últimas três décadas, considerando o mesmo período de mandato. Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, mostra que, além do aumento na quantidade de atos, Bolsonaro se diferencia pelo conteúdo das medidas, voltadas à gestão militar e ao avanço de atividades econômicas em áreas protegidas.
Parlamentares e ambientalistas acusam o Executivo de "passar a boiada", como sugeriu o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e prejudicar a "agenda verde", tema central da Cúpula de Líderes, organizada pelos EUA nesta semana. Em abril do ano passado, Salles afirmou em reunião ministerial que o governo federal deveria aproveitar o foco da imprensa na pandemia para "ir passando a boiada", mudando as regras do setor ambiental.
Essas mudanças, no entanto, acontecem desde o início da administração. Segundo o levantamento, Bolsonaro editou 39 decretos ambientais nos dois primeiros anos de governo. A quantidade supera os 28 editados por Michel Temer e as "canetadas" de todos os antecessores desde Itamar Franco no mesmo período de mandato. Antes de Temer, a média em dois anos não chegava a 20 decretos.
O governo atual se diferencia também pelo teor dos decretos, basicamente voltados para o estímulo de atividades econômicas em áreas sensíveis e pela militarização da gestão da Amazônia Legal. "O governo está muito preocupado em favorecer atividades econômicas e ao mesmo tempo usar a gestão militar para maquiar uma série de problemas na administração da Amazônia", afirma o cientista político Leonardo Martins Barbosa, um dos autores do estudo. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não comentou.
Os decretos permitem ao presidente alterar a estrutura administrativa de órgãos públicos e até facilitar a exploração econômica de uma região protegida sem precisar de autorização do Congresso. Bolsonaro lançou mão desse instrumento para, por exemplo, flexibilizar a aplicação de multas ambientais e abrir exceções para queimadas no período de seca.
A Amazônia Legal é a prioridade entre os atos assinados por Bolsonaro. Entre as medidas relacionadas à área estão a que regula a gestão militar da região e a que flexibiliza regras de exploração de áreas sensíveis. Em 2019, após o avanço das queimadas, ele editou um decreto que autorizava o emprego das Forças Armadas na região.
Multas. Também no primeiro ano de governo, o presidente decretou nova forma de aplicação de multas ambientais, criando núcleos de conciliação que transformavam as autuações em projetos de restauração florestal. Essa medida foi questionada no Supremo Tribunal Federal, mas ainda não houve decisão. Recentemente, Salles assinou instrução normativa que esvazia as atribuições dos fiscais, determinando que infrações terão de passar por um superior antes de serem confirmadas.
No início da pandemia, em maio de 2020, um ato do presidente da República transferiu do Meio Ambiente para a Agricultura a concessão de florestas públicas federais, outra medida criticada no setor. Para o cientista político autor do estudo, os decretos permitem a Bolsonaro "driblar" a oposição no Congresso e trazem outra vantagem: são mais discretos. "São mudanças menos visíveis e menos sujeitas a pressão. Isso possibilita a Bolsonaro dizer que está protegendo a Amazônia e, no entanto, está fazendo sorrateiramente mudanças que podem afetar o sistema de proteção que o Brasil ergueu nas últimas décadas", disse Barbosa.
<b>Críticas</b>
Na cúpula coordenada por Joe Biden, Bolsonaro reforçou promessas para combater o desmatamento. Na visão de especialistas, porém, essa declaração contraria a prática do Executivo federal. Os decretos assinados "diminuem a proteção da vegetação nativa do Brasil e apontam na direção contrária, para a diminuição de orçamento", afirmou o diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.
"Esse aumento exponencial de decretos significa que está governando unilateralmente. Grande parte desses decretos é de desregulamentação na área", diz a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR).
Presidente da Comissão do Meio Ambiente da Câmara, a deputada Carla Zambelli (PSL) defende os decretos. "Muitos surgiram a partir de resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Logo, não são unilaterais, existe um conselho de técnicos por trás." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>